
Numa descrição, Hermann emprega, inadvertidamente, uma palavra que detesta. Não por razões estéticas, mas psicológicas. Porque lhe desperta estranhos e fundos fantasmas, labirínticos e infinitos pavores. É a palavra «espelho». Quando dá conta dessa intromissão, interrompe o que vem contando, fala do significado que os espelhos têm para a sua mente distorcida, ensaia uma breve psicanálise. Depois, quer reatar, zanga-se com os leitores, acusa-os: «É difícil falar se nos interrompem constantemente». Esta passagem ilustra o humor de Nabokov, que me é tão caro.
É um humor que está presente na própria forma da escrita. Trata-se, de algum modo, do texto de um louco. Isso justifica, em parte, o seu carácter de meta-texto: Hermann questiona-se, a cada passo, acerca do que está escrevendo, põe em causa as palavras que escolhe, arrepende-se, propõe-se riscar períodos inteiros, decide não o fazer, embora deixando claro que estão errados e que não exprimem o que lhe interessava dizer: quem domina o acto de escrever não é já a sua razão, mas a memória, a cuja incapacidade pede constantemente contas. O terceiro capítulo, por exemplo, inicia com esta auto-interrogação: «Como começaremos este capítulo? Proponho diversas variantes para escolha.» E apresenta-as, uma por uma, pondo-as em confronto e distanciando-se criticamente de todas elas.
Ou seja, sob pretexto de um diálogo com o leitor, este romance é, fundamentalmente, um diálogo do narrador cons
É um romance fácil? Não é um romance fácil. As interrupções daquele monólogo que se apresenta como em fase de rascunho, com interrupções, regressões, auto-imprecações, por engraçado que seja, cansa, impede a progressão? Sem dúvida. Mas não deixa de ser curioso observar que alguns dos romances mais interessantes que se escreveram são romances que não progridem. Que se interrogam indefinidamente. E que, nessa auto-interrogação, recuam sobre si.
1 comentário:
muito da hora!@
Não conhecia o autor;
Preciso mesmo me apronfudar mais na literatura
Russa...estou cuidando disso, sabe?
Cook
=}
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