sexta-feira, 26 de abril de 2013

DAVID ALMOND: O MEU NOME É MINA E GOSTO DA NOITE



Sendo eu professor de filosofia, não me espanta a desgastante insistência com que amigos, meros conhecidos, colegas, alunos, durante anos me convidavam à leitura de O Mundo de Sofia. «Genial», houve quem jurasse: «Uma genial introdução às teorias filosóficas fundamentais.»

Nunca apreciei O Mundo de Sofia. Uma história de segundo plano, criada unicamente com intuitos didácticos, isto é, como forma [pouco convincente] de ligar explanações das teorias, não poderia ser mais do que uma obra arrumada e previsível. Como um manual com pretensões a ser divertido, «lúdico», na verdade complacente.

O Meu Nome é Mina e Gosto da Noite, por outro lado, constitui tudo quanto O Mundo de Sofia desejaria ser sem disso minimamente se aproximar.

O Meu Nome é Mina é o título de uma obra secundariamente didáctica - e talvez resida aqui o seu segredo -, com o objectivo principal de nos surpreender e encantar. Não é um meio para, mas um fim em si mesmo: o exercício poético de desvendar o mundo, através dos olhos de uma rapariguinha que se não adapta aos filtros que os educadores oficiais impõem.

A escola - e as instituições educativas em geral - é explicitamente tratada como uma gaiola. Não dá a ver, torna pelo contrário invisível tudo o que transborda dos padrões; não nos abre para segredos e insuspeitadas possibilidades, antes fecha-nos para eles; ignora-os sistematicamente. Pior: rejeita-os. Nunca se preocupa com o encantamento. A sua esfera é do simples treino, que desencanta. Não nos torna sábios: limita-se a dotar-nos de competências.

Onde, neste romance, temíamos um reajustamento, uma reviravolta final, descobrimos que não haverá reviravolta. A escola manter-se-á, da primeira à última página, um inimigo idiota: uma estrutura burocrata e mutiladora, uma fábrica de incompreensões.

O romance visa ensinar-nos alguma coisa? Sem dúvida. Fala-nos da metempsicose; passeia-se por antigos mitos, antigos deuses e antigos lugares sagrados; ou de como os ossos das aves são ocos, e por isso mais leves, para que elas consigam voar, ou de sermos pó de estrelas; mas fá-lo como estratégia poética, mais do que como um método para nos fazer «aceder a conteúdos»: os conhecimentos que interessam a Mina são muito bonitos e surpreendentes, nascidos no lugar onde a ciência e a poesia se fundem, e valem pela sensação de leveza, beleza e espanto que lhe proporcionam, e ao leitor.