sábado, 19 de fevereiro de 2022

ERIC WEINER: A GEOGRAFIA DA FELICIDADE


 

Uma amiga cujo filho foi, há alguns anos, meu  aluno, 


emprestou-me este livro. O empréstimo vinha carregado de sentido afectivo: trata-se de um dos livros predilectos do jovem e querido Diogo, que se lembrava amiúde de mim quando o relia. Tinha a certeza de que eu gostaria muito. Fez questão de que a mãe mo fizesse chegar.


O problema da felicidade tem suscitado as mais  variadas reflexões, e o desesperado desejo de sermos felizes é uma das razões da multiplicação contemporânea dos horrorosos livros de auto-ajuda. Seja como for, a questão primordial é a de saber o que se entende por felicidade, e desde os antigos filósofos aos investigadores actuais, sempre se divagou sobre o que permite transcender a existência entendida, à imagem da visão do budismo ou de Schopenhauer, como contínuo sofrimento, para um sentido do belo e do bom que nos apazigue, e reconcilie, positivamente, com o facto de estarmos vivos.


Um comentador de A Geografia da Felicidade escreve: "Eric Weiner [o autor] arrumou Bill Bryson a um canto." Distancio-me da crueldade da comparação, mas, curiosamente, é, de facto, de Bill Bryson que me lembro enquanto vou navegando pelo livro de Weiner. A mesma erudição que se não ufana, a mesma inquieta curiosidade, o mesmo género de mente que se abre para tentar conhecer quase tudo sobre quase tudo, procurando as ligações inesperadas, a relação entre os aspectos aparentemente mais distantes, e o toque pessoal e autobiográfico que se mistura no que se descreve, ou expõe, ou narra, sobre o fio de um sentido de humor omnipresente. Devo acrescentar, a propósito do sentido de humor presente em A Geografia da Felicidade, que, por diversas vezes, em público, de livro na mão, fui apanhado a rir sozinho.

Observo por fim, maravilhado, e a propósito, afinal, de um livro sobre a felicidade!, que, se um dos veios que constituem a minha felicidade é, inegavelmente, o acto de ler, a leitura de autores como Bryson ou Weiner eleva a experiência a um nível raro e precioso.


A ideia subjacente soa-me bem. Como é vivida, ou desejada, ou vista a felicidade por diferentes culturas, em diferentes lugares? Suspeitamos que a ideia do que seja ser feliz, de um brasileiro, possa não se identificar com a de um português. Por muitas ligações que permaneçam e se estreitem, existem, nas características típicas destes dois povos, no modo expansivo de um, inibido de outro, nas próprias formas que culturalmente se desenham no que respeita ao relacionamento entre pessoas, já para não falar de aspectos tão subtis como a disposição para que os climas do Brasil e de Portugal inclinam, respectivamente, brasileiros e portugueses, tantas e tamanhas disparidades, que a busca da felicidade só pode ser, num caso e no outro, incoincidente. Mesmo descontando um efeito de distorção introduzido, necessariamente, por este tipo de generalizações. 

Eric Weiner é, desde que se lembra, um sujeito infeliz. Alguém com quem conversa, num dos países que visita durante, e para, a escrita deste livro, dirá que reconhece, nele, um viciado em infelicidade. A sua permanente depressão seria, provavelmente, a motivação mais forte sob o projecto de escrever acerca da variação geográfica da felicidade. É portanto, em busca da felicidade que se inicia um périplo e a escrita de uma obra desta natureza. Que me podem ensinar os povos felizes? Ou que lições acerca da felicidade poderei receber de um povo infeliz, por exemplo a Moldávia?

Não é uma obra diplomática. Longe disso.  Frequentemente, a franqueza do autor nos seus comentários acerca dos povos chega a ser chocante. Uma ironia latente, que nunca desce ao sarcasmo, nem denuncia desprezo, mas a perplexidade perante escolhas tão diversificadas, tão estranhas, tão obcecadas, e tão longe dos padrões que tomámos como os únicos possíveis. A sua descrição dos moldavos, por exemplo, e da sua tristeza, faz o leitor sentir-se culpado por ser, às vezes, tão feliz. [É certamente com um estremecimento de indignação por esta sinceridade sem eufemismos que lemos uma frase assim: "A Moldávia é uma construção nacional que correu mal e, tal como acontece nas operações plásticas que não correm como o planeado, os resultados não são bonitos de se ver. Apetece-nos virar a cara."]

Em cada capítulo, em cada país, a felicidade tem uma chave. No Butão, é uma política. Mais do que o produto nacional bruto, como se sabe, para o governo importa uma medida como o índice médio de felicidade da população. Mera retórica? Um golpe de marketing? Mas, a sê-lo, não o seria certamente para efeitos turísticos, uma vez que o turismo não é particularmente encorajado no Butão. São felizes? Porquê?

No Qatar, a felicidade é um caminho errado que não leva senão a uma preguiçosa depressão. O excesso do conforto, a grandeza artificial, a proliferação de simulacros que reproduzem a miragem de felicidades vividas por outros, como uma espécie de Las Vegas onde nada, verdadeiramente, dá à vida um sentido que não seja senão aparente, refaz a questão da importância do dinheiro nesta equação. 

Perante a Islândia, um país minúsculo e gelado, podemos perguntar como poderia estar a felicidade tão longe do sol. Consegue, vedadeiramente, ser feliz, um povo que vive tanto tempo na escuridão? Qual o seu segredo?

A Geografia da Felicidade é um livro encantador. Mais do que isso: uma obra cuja leitura produz um estado de surpresa, bem-aventurança e alegria luminosas. Weiner visitou, conheceu, entrevistou, traduziu as suas observações de repórter, acerca das crenças e vidas de povos felizes, ou que se crêem felizes, em hipóteses engenhosas, enquadradas, sistemática e bem-humoradamente, pelas teorias mais recentes dos investigadores.