quinta-feira, 17 de julho de 2014

RAYMOND CHANDLER: O IMENSO ADEUS





Recorrentemente, a injustiça de certas não-atribuições de prémios Nobel da literatura a quem mais os merecia é tema de indignações e maldizer. Mas à questão de preferências pessoais ou do "espírito" dos critérios do júri, terá de se acrescentar uma outra questão, que é a de um preconceito ostensivo. Refiro-me aos sub-géneros, ou géneros menores, e depreciados. Como o policial. Já nem falo da ficção científica.

     Raymond Chandler, muito mais do que uma Agatha Christie por exemplo [e nada de equívocos: sou um fanático de AC] fez do policial um género sobre relações humanas, solidão e ética. É literatura maior. Fez de Marlowe uma personagem fulcral do romantismo: um homem comparável a Corto Maltese, que reúne, a uma absoluta integridade, uma
incomensurável força psicológica: a de nunca se deixar intimidar. Os diversos detentores de pequenos poderes, que se comprazem num contínuo exercício de bullying [governadores, ou comissários ou meros polícias, representando o mais execrável do sistema] podem perseguir, prender ou sovar, mas não quebrar.

  Herói e anti-herói, duro e compassivo, de uma rectidão que se move sempre nas entrelinhas da lei, forte e frágil, romântico sem lágrimas nem arroubos, sobrevivente claro e limpo de um habitat corrupto e podre, sem laços duradouros, autónomo nos seus recursos, na sua inteligência e na sua ironia, Marlowe torna-se admirável; ouvimos mencionar o seu nome e pensamos em Humphrey Bogart. Mas vai-se lendo a obra no seu conjunto [lê-se, digamos, O Imenso Adeus] e, curiosamente, não é Bogart quem responde à chamada, é um homem mais interessante, menos magrito e menos pequeno: é, sobretudo, uma personagem menos distante e cínica do que aquela que Bogart assume, com inexplicáveis momentos em que se deixa seduzir por femmes fatales. E, de uma ou de outra forma, todas as mulheres de Chandler são femmes fatales.


Considero os diálogos, em O Imenso Adeus, absolutamente extraordinários: concisos, credíveis. Mesmo quando uma personagem tem muito que explicar e, por isso, fala demoradamente (sem deixar de ser conciso, acreditem), fá-lo de um modo convincente. Nunca servem para encher chouriços: são momentos cruciais de sistematização ou revelação.


É um livro que não devemos ler com sono; fiz a experiência e dei-me mal. Perdemo-nos em mastigações, mais para o fim, a não ser que nos mantenhamos vigilantes. Também poderíamos, é claro, desejar que nunca houvesse coincidências: que dois "casos" paralelos do detective bruscamente se enrolem um no outro, com insuspeitadas ligações entre pessoas de esferas diferentes, soa-me sempre a desprezo pelo leitor. É uma facilitação. Os grandes mestres não a cometeriam, mas a verdade é que Chandler a pratica alegremente e nem por um instante deixa de ser o mestre dos mestres.

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Depois da Tempestade a Bonança



Revoluções de ordem vária na minha vida têm-me afastado da internet em geral e deste blogue em particular.

Sinto saudades. E tenho lido, tenho lido sim, pelo que regressarei um destes dias, para conversar sobre um dos amigos que me têm preenchido:

Mémoires d'Outre-tombe, uma antologia das imperdíveis memórias de Chateaubriand.

Pátria, do Robert Harris, uma arrepiante obra já dos anos 90, alicerçada na premissa de que o resultado da Segunda Grande Guerra foi outro.

O Imenso Adeus, do Chandler.

Terna é a Noite, do Fitzgerald (interessante, apesar de uma escrita inesperadamente artificial - ou será da tradução?)

O Homem que Gostava de Cães, sobre o assassinato de Trotski, da autoria de Padura, uma recente descoberta pela mão da minha amiga Paula. [O Padura, não especificamente este romance]

Disperso-me também por alguns ensaios, como os do brilhante James Wood, não o actor de nome quase idêntico, mas o crítico pop-erudito de literatura.

E procuro ainda uma certa ficção do Philip K. Dick, que não consigo encontrar.

Portanto, é um até breve, não um imenso adeus.