quinta-feira, 7 de junho de 2018

ANTÓNIO DAMÁSIO: AO ENCONTRO DE ESPINOSA


Todos percebemos a irritação que Descartes causa a Damásio, que o não terá lido filosoficamente e o usa apenas como representante do "erro", no caso como a ilustração de um pensamento contra o qual assesta a bateria dos seus argumentos.

A admiração que, em contrapartida, nutre por Espinosa e pela concepção sobre o corpo, a mente, o pensamento, as emoções, a natureza e Deus, que ele produziu com tremendos custos pessoais, inovadora e mais actual, hoje, do que nunca, leva a que Damásio procure dirigir-se efectivamente ao seu encontro, lendo, reflectindo sobre o que lê à luz das suas próprias investigações, visitando-lhe a  casa, considerando-lhe a biblioteca. Se compararmos com outros livros de Damásio, este liberta-se e levanta voo. Menos denso, menos técnico do que o Erro de Descartes ou o tão aclamado A Estranha Ordem das Coisas, esta obra preocupa-se menos com a divulgação da própria teoria damasiana (que, evidentemente, nunca se perde contudo de vista) do que com o genuíno interesse pela pessoa, pela vida e pela obra de Espinosa. E isto faz de Ao Encontro de Espinosa um ensaio de grande maturidade, revolucionário na abordagem, ora científica, ora histórica, ora biográfica, ora de testemunho pessoal, numa elegância literária a que Damásio não nos habituara.

Procurei este livro precisamente por causa de Espinosa. O filósofo português exerce, sobre mim, uma complexa atracção. A recente releitura da Ética, a que vim procedendosignificou a descoberta dessa visão que encantara Goethe e teve o poder de pacificar e alegrar tantos espíritos desassossegados. Quando pela primeira vez o li, jovem estudante de filosofia, deixei que o mais profundo e tocante me escapasse por entre as malhas da minha arrogância e dos meus preconceitos. O regresso foi uma epifania, e durante a escrita de um artigo sobre Espinosa, acabei por me interessar pelo modo como Damásio o reencontrara.

Tal como a Damásio, também a mim algo de Espinosa continua a escapar. Aquilo a que AD chama "a estranheza de Espinosa". Mas, na busca de uma aproximação ao homem e ao seu pensamento, talvez mesmo como prelúdio a essa alegria corajosa perante o ser e a existência a que Espinosa nos convida, o ensaio de António Damásio consegue tornar-se um foco essencial.