segunda-feira, 1 de novembro de 2021

AYN RAND: A REVOLTA DE ATLAS

 Tendo escapado muito jovem a uma revolução que a fez sofrer, e à família (a de 1917 na Rússia), viria a desenvolver, já nos Estados Unidos, onde se refugiou, uma espécie de ódio a toda e qualquer forma de colectivismo; a tudo quanto fosse pôr os interesses da comunidade, do grupo, dos outros, em primeiro lugar; à solidariedade como princípio de vida. A filosofia de Nietzsche (um Nietzsche mal digerido, quanto a mim, mas quem sou eu?) fornecer-lhe-ia os vectores filosóficos para tomar o egoísmo como a única forma de expandir o que de melhor haja em cada um - e a solidariedade, a piedade, a "empatia" (esse termo da moda, hoje, a que ela não se refere explicitamente, mas está sempre presente) como valores desvirtuados, falsos, promovidos pelos fracos e pelos sacerdotes de todas as religiões. 


Não,  não falo de nenhuma personagem, mas de Ayn Rand, autora da obra. Convenhamos que construir toda uma filosofia em torno destas ideias, que mal ocultam os ressentimentos da sua biografia, dificilmente produziria um pensamento profundo. E no entanto, por aquilo de que me apercebi, o mero cidadão norte-americano, de visão liberal ( falei com alguns, aquando de uma inesquecível viagem), mesmo sem interesse nem luzes filosóficos, encontra em Rand uma ideóloga que julga dever levar-se a sério, e em cujas ideias se compraz.


Este romance, sendo uma alegoria e a tradução romanesca das suas ideias filosóficas, não poderia deixar de enfermar os vícios da própria, chamemos-lhe assim, "filosofia". O maniqueísmo é, aqui, absolutamente arrepiante. Um mundo que não progride porque está nas mãos de pessoas que pensam nos outros (mas que, afinal, nunca pensam realmente nos outros, antes ocultam, sob esse ideal, os seus interesses mesquinhos e as suas alianças dúbias), e são sempre fracos, moles, feios, sofre verdadeiros estremeções sempre que alguns egoístas, incompreendidos, mas focados, se libertam da moral comum e se lançam ao objectivo, a despeito de todas as tentativas de os travarem: chantagem emocional, greves, maquinações. 


O romance advoga entendimentos egoístas. Quando a vice-presidente de uma companhia férrea, uma mulher firme, forte (inspirada certamente na própria imagem que Ayn Rand tinha de si) decide tomar decisões arriscadas, que ultrapassam as do Presidente, seu irmão, cobarde que se esconde sob a capa do "interesse geral" e do altruísmo, desafia a forma instalada e moralista que consiste em perder tempo, trabalhar lentamente,  ceder à incompetência generalizada. Para isso, ela terá de estabelecer um contrato com outro indivíduo forte e egoísta: o inventor e fabricante de uma nova liga, muito mais leve, para os carris. Este entendimento será,  por sua vez, o modelo do verdadeiro amor, na sua perspectiva: um entendimento entre egoístas.


Sabemos que os livros que se reduzem a veicular uma tese são fracos. Piores,  só mesmo, como este, os que se fazem para veicular uma má tese.