sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

BILL BRYSON: BREVE COMENTÁRIO A (QUASE) TODA A SUA OBRA



Dedico este comentário a meu primo: sei que, das longínquas paragens onde me segue, atento, não deixará de perceber a alegria com que destaco o autor em causa e sua obra, como um caso do tipo de objecto que nos moverá (espero que em breve) a uma discussão entusiástica, entre copos de vinho tinto, sem consenso à vista, mas com mútuo enriquecimento pelo caminho.

Neste momento tornei-me cativo de Bill Bryson; principiei por ler-lhe Breve História de (Quase) Tudo, livro de divulgação científica em que mapeia e historia as descobertas teóricas e práticas através das quais o ser humano tem interpretado e transformado a realidade. De um modo simples, mas (como se costuma acrescentar a propósito desta categoria de livros) sem sacrificar o "rigor" das informações e das explicações, Bryson cruza áreas, conta episódios trágicos e cómicos das vidas dos cientistas ou dos combates para impor as mais rocambolescas hipóteses, desce ao fundo da terra e do mar, projecta-se para o infinitamente distante, observa o macroscópico e diminui até poder entrar no subatómico, sempre num tom de convívio que o torna o parceiro de uma conversa impagável.

O entusiasmo levou-me a descobrir um segundo livro do autor: Shakespeare dos 8 aos 80. Havia um atractivo particular: que seria capaz de me revelar um escritor norte-americano sagaz, culto e espirituoso, acerca da vida de um homem de quem tão pouco se sabe, e de quem quase tudo se pode inventar e tem inventado? Não me senti defraudado: à míngua de pormenores biográficos inquestionáveis, torna-se sempre possível reconstituir a Inglaterra da época, os estratos sociais, as lutas religiosas, os costumes, as ambiências, as novidades e, por fim, pode sempre apresentar-se e discutir-se as mais variadas hipóteses que foram sendo criadas nos últimos séculos, numa feliz biografia das biografias sobre Shakespeare.

Houve mais dois livros, seus, que acabei por ler, apesar dos títulos suspeitos. Por Aqui e por Ali é a vivíssima descrição da longa e aventurosa caminhada em que Bryson, e Katz, seu amigo, ousaram percorrer, ao longo de meses, o sinistro Trilho dos Apalaches. É bem divertido. Mas o meu predilecto, Nem Aqui nem Ali, A Europa de Estocolmo a Istambul, é o relato de uma viagem que Bryson fez pela Europa. E neste ponto, meu primo [um "estrangeirado" que, apesar do seu matrimónio feliz com uma norte-americana, estabelece fronteiras rígidas ao que aceita que alguém do Novo Mundo se atreva a dizer acerca do Velho Mundo] começaria logo a divergir de mim. Porque Bryson tem um olhar extremamente crítico - hilariante, de resto  - sobre as imperfeições dos belgas, dos ingleses, dos franceses, dos italianos. E, claro, põe-nos sistematicamente perante generalizações que podem ferir os mais susceptíveis: mas estas, no seu discurso fulgurante, são relâmpagos de ironia e espírito de observação que deveriam fazer o leitor europeu rir com gosto de si próprio. Onde meu querido primo veria, com crescente irritação, um americano cheio de si e arrogante, perorando sobre a antipatia dos parisienses ou a total incivilidade dos romanos ao volante - eu vejo antes um turista apaixonado pela ideia da Europa, rendido às referências histórico-culturais e aos artistas europeus, com os quais, aliás, mostra grande familiaridade, um pouco intrigado por observar que a Europa concreta não corresponde muitas vezes ao ideal romântico que possamos ter cultivado.

Seja como for, não darão por perdido o tempo que dediquem à descoberta de um escritor com tamanho "wit"; meu primo não deve perdê-lo: aguardam-nos algumas discussões interessantes sobre as viagens de Bryson.