segunda-feira, 18 de abril de 2016

O MICROCONTO: «LESS IS MORE»


Confesso que, neste momento, estou rendido ao microconto.

Um estudante brasileiro escreveu, já infelizmente me não recordo onde, que durante muito tempo o próprio conceito de microconto o irritava. Tomava esse exercício como uma forma de preguiça mental: criar uma história com o menor número de palavras possível. Segundo ele, o problema seria o do abuso. Como em relação aos haikus, em que um poema brevíssimo deveria ser a expressão possível de uma visão mística, mas, nas mãos do vulgo, se tornou num jogo fácil, também o microconto deveio um género medíocre para gáudio dos que não são capazes de desenvolver meticulosamente uma história. Mais tarde, também o estudante acabou por se render. Quando? Quando descobriu os melhores autores (Kafka e Borges, por exemplo) e alguns dos melhores microcontos. Provavelmente, os primeiros, antes de se haverem transformado numa brincadeira a que todos julgam ser capazes de brincar.

Como é evidente, em poucas palavras só se pode expor um certo aspecto da história. Não conhecemos os antecedentes nem sabemos como acabará. Aterrámos, por um momento, num ângulo, ou num momento, a partir do qual teremos nós próprios (o leitor) de supor e adivinhar. O de Hemingway é soberbo. Em 6 palavras, entreabre a cortina para uma tragédia que nunca se explicitará:  «For sale: Baby shoes, never worn.» Ou, em português, «Vende-se: sapatos de bebé, nunca usados.»

Meu primo ensaiou uma interpretação cómica: e se não houver tragédia nenhuma? E se um Japonês encomendou sapatos, não conhecendo suficientemente a língua inglesa para indicar o que queria, e recebendo em casa os sapatos de bebé, que obviamente não lhe serviam, os pôs à venda? Em todo o caso, este é um aspecto interessante do microconto. Não se trata de, necessariamente, abrir em poucas palavras a respiração da tragédia, mas a da comédia, a da estupefacção, a da tristeza - o que se queira. Se mais não for, é uma experiência - e mais difícil do que se diria.