domingo, 29 de janeiro de 2012

TOMASI DI LAMPEDUSA: SHAKESPEARE


A Teorema edita, de Lampedusa, um livro intitulado Shakespeare: é um capítulo de um seu Curso de Literatura Inglesa.
Porque Lampedusa é Lampedusa [de O Leopardo: não vale a pena acrescentar seja o que for] e porque Shakespeare é Shakespeare, eis um livro para o qual já comecei a juntar dinheiro.
No jornal i fala-se, a propósito desta obra, em erudição e sentido de humor. Não era necessário.
A partir do momento em que li: há um "Giuseppe Tomasi de Lampedusa" acerca de "William Shakespeare", já me tinha rendido.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

ITALO SVEVO: SENILIDADE

O que primeiramente nos toca ao lermos um romance de Svevo é a limpidez criativa da sua escrita: as frases, longas e muito bonitas, compõem-se de um modo sempre extremamente original, mas nem por isso fatigante, nem por isso provocando qualquer sensação de indigesta estranheza. É, pois, uma originalidade que nos soa imediatamente como um fluxo límpido, e que só nos apetece reler por causa da sua musicalidade característica, uma beleza que convida ao recomeço.

Depois, claro, toca-nos o seu humor. Os protagonistas masculinos de Svevo são homens mesquinhos, que tomam o seu interesse por princípio de acção, justificando os seus comportamentos, porém, com argumentos que raiam o desaforo. Como se fosse normal a "universalização" sistemática do interesse próprio; como se pudéssemos realmente assumir por lei moral a ideia de que «um acto é bom sempre que me traz algum benefício pessoal».

O centro de gravidade dos romances de Svevo [dos que eu li, pelo menos] é a tensão entre este egoísmo do homem e o seu interesse ou encantamento por determinada mulher, encantamento que se desdobra numa multiplicidade de sentimentos - atracção, desejo, medo, ciúme - mas nunca se identifica com amor ou paixão: o verdadeiro egoísta é demasiado centrado em si para se apaixonar por outrem. Ou para amar sem que se trate de amar-se.

Em "Senilidade", de tudo isto se trata; e também, já agora, de uma espécie de egoísmo feminino, embora na mulher permaneça sempre um enigma, um mistério que não conseguimos inteiramente reduzir a qualquer explicação. O que move as mulheres de Svevo é sempre mais ambíguo e inclassificável do que o que move os homens.

Como, porventura, na vida real.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

IRVIN D. YALOM: A PSICOLOGIA DO AMOR





Neste livro tudo convida ao equívoco. Não admira, pois, que me haja equivocado.
A começar pela capa, com aquele toque de mau-gosto que sugere uma obra virada para o consumo pouco exigente, tal como, aliás, o próprio título português, que não faz a menor justiça ao original "Love's Executioner". Eis, pois, um exemplo de como os editores, ansiosos por abranger um número quase infinito de leitores, acabam por deformar o objecto, afugentando dele o nicho que poderia verdadeiramente apreciá-lo.

Basta ler a última das dez narrativas - a melhor, quanto a mim -, para se perceber que Irvin Yalom, de facto, não é Freud, mas também não pretende sê-lo. Todavia, há, na descrição destes seus casos clínicos, qualquer coisa de verdadeiramente delicioso: a exposição da experiência da "contra-transferência", isto é, da vulnerabilidade do próprio psicólogo, que reage às histórias dos pacientes a partir dos seus próprios fantasmas e preconceitos, cansaços e impaciências. É nesse aspecto que o autor se torna, aos nossos olhos, uma pessoa frágil e cheia de dúvidas, sempre em estado de paixão por alguns dos seus pacientes, fascinado com certos casos ou absolutamente desinteressado de outros - embora, numa postura de permanente auto-vigilância, não deixe que a paixão o transporte, e se esforce por investir em todos por igual.

Cada um destes casos desperta curiosidade e questões; para isso contribui, naturalmente, a experiência e a eficácia literárias do autor [um psicólogo que é também o escritor de alguns romances que se lêem com agrado]. Daí a facilidade com que faz de um paciente uma personagem, no sentido mais nobre da palavra, apreendendo-o física e psicologicamente com uma impagável minúcia: a mulher apagada e sem chama, que oculta uma personalidade sedutora e atrevida, no limiar do indecoroso, ou - no já referido último capítulo - esse homem preconceituoso, de espírito burocrático, que, à noite, enquanto dorme, parece libertar um "sonhador" diferente de si, criador dos sonhos, de sonhos plenos de inteligência e de fantasia, que narrará no consultório, são somente dois exemplos dessas personagens marcantes.

Um livro que se lê contra as expectativas é, obviamente - não muitas vezes, mas é - a possibilidade de uma boa surpresa.