segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

COLIN WILSON: THE OUTSIDER



Meu primo é, uma vez mais, quem me impele a uma leitura: a deste intrigante livro. Falava-me já há muito sobre o interesse que seu pai [e meu tio] manifestava pela obra, de que relia um exemplar sublinhadíssimo, com as margens pesadas de referências e notas, a lápis, na sua letra saudosa.

Não sei de nenhuma tradução para português do precioso livro: a imagem que encontrei e aqui publico mostra que há, pelo menos, uma, porventura do Brasil; encomendei a edição inglesa, recebi-a com o insuperável ritual de sopesar o pacote, abri-lo, retirar o livro, folheá-lo, cheirá-lo, adiá-lo.

Colin Wilson era um jovem de 23 ou 24 anos quando o escreveu; vivia então como uma espécie de sem-abrigo, de quarto em quarto, frequentando sempre que possível a Sala de Leitura do Britsh Museum. No dia de um Natal frio e cinzento (1954) - conta ele em um prefácio acrescentado 20 anos após a 1ª edição -, sentado na cama de um quarto precário, longe de casa e da família, tomou subitamente consciência da parecença do seu estado de alma com o de personagens que o fascinavam: o Raskolnikov de Dostoievski, o jovem escritor que é o centro do romance Fome, de Hamsun, o Roquentin de Sartre ou o Meursault de Camus; em todos os casos estamos perante o sujeito que é incapaz de se integrar no mundo e na vida burgueses, não apenas por razões psicológicas ou psiquiátricas (embora a sua "desintegração" seja passível de uma análise psicológica ou psiquiátrica), não apenas por razões religiosas (embora o misticismo possa ser uma via), mas sempre também metafísicas. O Outsider é o homem que detecta um indissolúvel nó de inautenticidade no real, no mundo, nas coisas, nas pessoas que se tornam também em coisas, imbuídos dos seus valores e das suas convicções, as suas metas e os seus dogmas, a sua ordem, certos de si, do seu papel, da sua necessidade.


O primeiro capítulo torna-se-me particularmente interessante: procurando apreender e compreender o Outsider como personagem literária, Wilson inicia uma deambulação em que aporta em obras clássicas, já bem minhas conhecidas, como as mencionadas, mas também em outras que desconhecia de todo [e não repousarei sem que as ache e leia: L'Enfer ou Le Feu, de Barbusse, entre mais], e outras ainda de que tinha notícia, mas nunca me haviam suficientemente importado: Herman Hesse, por exemplo, de que Siddartha fora suficiente, oh inominável pecado!, para me afastar - é um autor que redescubro inteiramente, pela mão de Wilson, como aquele que em O Lobo da Estepe ou em O Jogo das Contas de Vidro  (ou mesmo em Narciso e Goldmundo) expõe com profundidade o sentimento de homens que se sentem diferentes do humano, permanentemente à margem da tranquilidade, desassossegados com a existência, como sendo os únicos que não podem fugir à consciência do problema e da angústia contidos no existir.

Em momentos precisos, os argumentos e as conclusões de Wilson parecem claudicar. O saco em que colecciona casos de ousiders amplia-se desmesuradamente, de forma a que aí caibam estes e os seus contrários: T.E. Lawrence, Van Gogh ou Nijinski são realmente exemplos do mesmo estado, do mesmo sentimento em relação à vida e aos outros homens? Duvido: a comparação das ideias, dos projectos ou dos falhanços que criaram, ou que sofreram, distingue-os na essência. Em outros momentos, a tese de Colin Wilson soa-nos a filosoficamente irrelevante e conceptualmente pobre. Porém, as perspectivas que reabre em cada novo capítulo, ou os autores e as obras que revela e comenta, aguçando-nos a fome e as expectativas relativamente a eles, proporcionam um prazer e uma euforia que me andavam há muito arredadas.