quinta-feira, 10 de agosto de 2023

GEOFF DYER: OS ÚLTIMOS DIAS DE ROGER FEDERER E OUTROS FINAIS

 


Interessou-me, no livro, logo o título que, prometendo uma obra sobre finais, em todos os sentidos, desde o derradeiro tempo ou, digamos, o anoitecer da vida do próprio autor, um homem da minha idade (e não aprofundemos, por favor, este ponto), até aos "fins" de romances, filmes, poemas, vidas, numa reflexão acerca da ideia de crepúsculo, me soa a uma ideia feliz. A crítica de Pedro Mexia, porém, na revista do Expresso, e apesar das reticências vagamente sugeridas [a propósito do pendor "diarístico" para a "irrelevância" de Dyer, como quando escreve, segundo Mexia apenas "para épater", que acabou de comer ovos, ou conta os pormenores do hábito de trazer champôs dos hotéis que frequentou], acabou por me decidir a partir em busca.



Desde o princípio do livro que a atitude de Geoff Dyer me cativou. Embora não concorde sempre com a sua displicência relativamente a certas obras ou escritores, músicos e composições, desportistas, actores, realizadores e filmes, o mero facto de ousar assumir o que não leu, ou o que nunca provavelmente lerá (ou ouviu, ou viu ou se interessou por) ou que iniciou e abandonou a meio, é de uma coragem e de uma ausência de vaidade que se recomendam. Escrever que não leu Proust na íntegra ou O Homem sem Qualidades, apesar de constituir uma perda - do meu ponto de vista, claro! - não deixa de ser um direito e revelar uma honestidade intelectual destituída de afectação. O mesmo acerca de Nostromo, que já aqui comentei, há anos, como um romance maior de Conrad. (Redescoberto por Dyer na velhice como valendo realmente a pena, apesar de uma impaciente entrada em falso, na juventude). Ou seja, nos casos mencionados, aplaudo o desassombro do gesto sem concordar com o juízo. Mas quando é explícito, sem vergonha nem receio, por exemplo no ostensivo desinteresse por Finnegans Wake, que, pela minha parte, nunca sequer tentei começar, ou por Ulisses, que eternamente recomeço e torno a pôr de parte, encontra em mim um leitor que não só o compreende e admira, mas que com ele se identifica - totalmente.



Como lembra Mexia, e me limito a repetir, Dyer é deslumbrantemente irrequieto. As ideias chamam vertiginosamente outras ideias; a propósito disto entra naquilo, com um critério pessoalíssimo e num torvelinho que toca, en passant, em Camus e Saramago (como dois casos de autores a quem o Nobel teria subido à cabeça), para se deter em Beethoven, Nietzsche, Turner, D. H. Lawrence, ou Bob Dylan.

O livro entranha-se de tal forma, que é por causa dele que tenho estado a pensar (e planear) ir até Turim. Turim cuja luminosidade Nietzsche tanto elogiava.