terça-feira, 9 de agosto de 2011
LER NO ORIGINAL: UMA MERA OPINIÃO
Num comentário ao meu "post" sobre a redescoberta, que recentemente fiz, de Os Buddenbrook, o autor trata de «imensa presunção» o critério por si próprio estabelecido de não ler obras senão na sua língua original.
Não creio que seja presunção. Parece-me antes uma exigência rigorosa e salutar. Lendo, em inglês, The Lottery [que encomendei por não estar traduzido], apercebo-me, com óbvio deleite, da vantagem que há em descobrir Shirley Jackson no «seu» inglês: «David Turner, who did everything in small quick movements» ou «What could she be waiting for with such a ladylike manner?» ou «She had a plate with a cup of tea and a piece of chocolate cake; I had a plate with a cup of tea and a piece of marshmallow cake. We maneuvered up to one another catiously, and smiled» são alguns exemplos, que elenco ao acaso, folheando o livro sem especial atenção, não de períodos «intraduzíveis», nem, sequer, «dificilmente traduzíveis»: e, todavia, duvido que outra língua pudesse captar inteiramente o espírito deste inglês, ou melhor, o espírito do inglês de Shirley Jackson.
Posto isto, deparo-me com um problema. Leio em inglês, mas muito mal em alemão. Em francês, mas não em russo. Em italiano ou em castelhano, mas não em grego (antigo ou contemporâneo), árabe ou chinês. Isto significa, em bom rigor, que estariam excluídos das minhas possibilidades, e portanto, do meu projecto de leitura, os pré-socráticos, Platão ou Aristóteles, Virgílio, a Bíblia, Tolstoi, Dostoievski, Tchekhov, Púchkin, Bulgakhov, Kierkegaard, Goethe, Schoppenhauer, Nietzsche, Freud, Hegel ou, precisamente, Thomas Mann. Ou Mao, Lenine, Trotski, Kyoichi Katayama. [Lanço nomes como poeira, uma vez mais ao acaso da memória]. E, portanto, não posso não depender da tradução: não conviver, de algum modo, com obras traduzidas.
É possível que as traduções a que recorro provoquem danos? Até certo ponto: como não domino a língua original, não sou capaz de, pessoalmente, verificar a qualidade daquela. Mas posso certificar-me pelo menos de que a língua em que a vou ler é rigorosa e está correctamente utilizada; de que as frases têm sentido. A intuição tem, aí, um papel. «Pressinto» uma tradução certa. Posso, sobretudo, preferir traduções que as pessoas nas quais confio me afiancem ser bem feitas, posso aprender a distinguir entre diferentes tradutores.
Não me lamento. Aprendo alguma coisa acerca de tradução: que mundo é esse, que lutas travam os tradutores, quem são os parasitas da profissão, que outros estão acima de qualquer suspeita.
Corro riscos? Corro riscos. Mas como só tenho acesso a alguns dos livros que mais admiro por via de tradução, prefiro conhecê-los numa versão estropiada [se não houver outra ou eu a ignorar] do que não conhecê-los de todo.
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5 comentários:
E eu que só leio originais quando em Inglês? Você é um felizardo!
Abraço.
Fico um tanto embaraçado por ver que um desabafo que fiz num comentário a um seu post anterior serve agora de tema a este seu novo post. Relendo o meu comentário, parece-me que corro o risco de ser tomado por arrogante e por isso queria só clarificar as minhas motivações. Eu sinto-me sistematicamente esmagado pelo volume gigantesco dos livros que ainda não li e que julgo querer ler (se quiser, pela dimensão impossível do meu projecto de leitura). Esta restrição que estabeleci (já há alguns anos) não o torna possível, mas torna-o, talvez, menos impossível. Admito que isto não faz sentido nenhum de um ponto de vista racional: continuo no domínio do inexequível. Mas este argumento é sobretudo emocional...
arrogância absolutamente nenhuma, Zé, tentei explicar que, do meu ponto de vista, nada há que se compare à leitura do original. compreendo perfeitamente as suas motivações, simpatizo com elas. só quis chamar a atenção para o que me parece ser a desvantagem. para além domais, a descortesia foi minha, que transformei o seu desabafo num post sem lhe ter dito água vai. p.s.: o seu blogue tem sofrido alterações muito interessantes, a que ainda não me referi no próprio. mas gosto muito, está melhor que nunca. continuo a ser visita regular...
pessimamente escrito, o meu último comentário. as minúsculas seria opção (parva ou não), mas tudo o resto... incluindo aquele «domais»... bolas, nunca escrevo um comentário sem erros!
É uma questão que tem ganho importância na minha cabeça. Antes não ligava nenhuma. Esses exemplos que deu em Inglês deixaram-me com vontade de ler esse livro...em Inglês. Li uma vez um livro em Espanhol, percebi mas fiquei com a sensação que só tinha lido a história que estava na superfície. É esse o problema, apanhar as subtilezas
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