Na série de autores Não-Nobel a que me referia em outro post, aludi a Raymond Chandler. Chandler, afirma-se na contracapa de À Beira do Abismo, «não foi premiado por ser o representante de um género literário considerado menor pela Academia [o policial]».
Se quiséssemos comprovar esse preconceito recorrendo a um caso semelhante (que, por acaso, escapa à colecção de O Público), Ray Bradbury é o que imediatamente me ocorreria. Gosto muito de Fahrenheit 451, que é, para começar, um romance impressionantemente bem escrito, do ponto de vista literário; para além disso, uma das homenagens mais belas, que conheço, à literatura: não esquecer que é a história de um grupo de resistentes, leitores impenitentes, numa sociedade futura em que a leitura foi interditada. [Todos sabem que ler pode ser perigoso, porque faz pensar]. Tornado um objecto de culto, filmado por Truffaut, este romance nunca poderia despertar a atenção da Academia. Estava manchado por um pecado: era ficção científica.
Recordo-me deste livro no momento em que aderi a uma página, no facebook, de leitores. Nada mais do que isto: apaixonados pela leitura, que trocam ideias (a discussão sobre Saramago é interessantíssima), partilham livros de vida, fazem o elogio do prazer da página em papel, que podem manusear, e cheirar e sublinhar, anotar e, num sentido que a leitura virtual nunca permitirá, «possuir». Numa sociedade da não-leitura, em que tudo se reduz e simplifica (com algumas vantagens, não duvido), é sempre um refrigério cruzar-me com um grupo que nada mais une - uns serão bancários, outros professores ou desempregados - senão um dos aspectos essenciais: o gosto, o prazer, a paixão de ler...
Este é o meu 300º post. Tenho muito prazer em dedicá-lo a este grupo maravilhoso.
1 comentário:
Completamente de acordo. Fahrenheit 451 é um livro fabuloso, bem superior a qualquer um do Chandler.
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