Jonathan Franzen, soube eu entretanto, é ostracizado por uma certa corrente de consumidores norte-americanos, que lhe não perdoa o facto de se ter recusado a ser entrevistado num programa da Oprah. Acusam-no de quê? De elitismo. De snobismo. Não de timidez, por exemplo, ou, mais provavelmente ainda, de querer evitar equívocos e demarcar as águas, não deixando que o confundissem com um autor de «literatura light». Mas de elitismo. E snobismo.
Venho de ler o fim do terceiro capítulo do seu Correcções, que me parece bem arrojado. Lembra-me Ulisses [que, by the way, ainda não foi desta que consegui concluir].
Enid e Alfred, personagens já nossas conhecidas [cf. post anterior] estão num cruzeiro. Uma tarde, encontram-se, no convés, com dois casais nórdicos. Há uma rivalidade latente - mas cada vez mais manifesta - entre os suecos e os dinamarqueses. Na conversa, tudo se choca de um modo atordoador: alguém expõe insistentemente a sua teoria acerca do efeito de estufa, enquanto Enid fala de acções, um dos maridos nórdicos alfineta o outro marido nórdico, uma mulher fala de deficiência visual (olhos preguiçosos), uma diferente mulher corrige-a (não é possível haver «olhos preguiçosos», mas «olho preguiçoso», atendendo que se trata de um dos olhos compensar a preguiça do outro), de vestidos, de leituras; há vozes exteriores ao grupo, de que vamos captando, descontinuamente, algumas frases, até que surge o que é interpretado como um insulto, a que um dos casais reage, deixando o grupo. Está lá tudo, mais a cor, o movimento levemente desagradável do navio, as memórias pessoais que não cessam de interferir e de que o leitor é também testemunha.
«Está lá tudo», escrevi, mas como, precisamente, se junta tudo isto? Num estranhíssimo mosaico onde nada se ajusta, em que há falas sobrepostas, ou que se interrompem, ou paralelas, em que nunca se faz silêncio mas tudo é fragmentário. Nenhuma linha agregadora, antes várias minúsculas linhas quebradas num quase doloroso entrecruzamento. O efeito é perturbador. A estranheza provoca-nos, ao mesmo tempo que nos fascina, absolutamente irresistível. É uma leitura trabalhosa de que, todavia, não podemos separar-nos um instante.
Mas, lá está: preconceito à parte, não sei se o bando histérico que constitui o público habitual de Oprah conseguiria apreciar, de facto, este modo real e irreal de se nos expor um mundo em que nada progride, eppur si muove!
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