Descubro Daniel Faria, no seu Poesia, que reúne seis livros (Uma Cidade com Muralha, Oxálida, A Casa dos Ceifeiros, Explicação das Árvores e de Outros Animais, Homens que são como Lugares mal Situados e Dos Líquidos), e ainda diversos inéditos que o poeta havia oferecido a amigos seus, e aqui se recuperam; descobrindo-o, percebo, subitamente, e por antítese, o que eu próprio teria querido dizer, num post anterior, acerca da maioria dos novíssimos da poesia portuguesa. Achava que, por alguma razão, e como se respirassem um certo ar do tempo, asfixiantemente comum, todos os poemas «de hoje» se parecem de um modo irremediável... Em Daniel Faria, que morreu tão jovem, aos 28 anos, cada poema contém um segredo absolutamente indispensável, que não se confunde com esse «ar do tempo». Cada poema seu é um segredo indispensável. Quando leio, por oposição a Daniel Faria, num livro de um outro autor - aliás vagamente na moda -, numa livraria, este poema feito de um único verso dedicado a Barcelona, «A cidade incendiada pelo olhar desprevenido», sinto que nem as palavras, nem a experiência de absoluta surpresa e encantamento que elas visariam transmitir, têm seja o que for que nos faça parar e ansiar por reler. Há, aqui, qualquer coisa de trivial, uma espécie de mediocridade que, mais do que provocar uma revelação ao espírito, se limita a evocar a imagem de um turista, em calções e de máquina fotográfica, exclamando: «Ena!»
Leio, agora, estes versos de Daniel Faria: «O pássaro amanhece/ e o seu bico não fere o seu canto»: são palavras que não esperamos e se acertam num sentido frágil, que tem de ser protegido, ao mesmo tempo de uma beleza e de um leveza extremas, como um brilho inseguro, tremente, que poderia estar ou não estar onde nos pareceu vislumbrá-lo. E se fosse uma ilusão? Um mero reflexo? E se, ao olhar de novo, percebêssemos que não estava lá?
Neste «pássaro que amanhece» (inversamente à tal metáfora do incêndio, que já lemos tantas vezes quantas vezes vimos, no cinema, um polícia tendo de decidir se deve cortar o fio amarelo ou o fio vermelho, para desmontar uma bomba), neste «pássaro que amanhece» há algo que tem de ser dito - embora pudesse nunca vir a ser dito, se o poeta não atingisse a expressão e a imagem exactas de uma verdade tão simples. Eis um outro poema muito bonito e simples (embora, de facto, complexo, se atentarmos na construção) de Daniel Faria: Houvesse um sinal a conduzir-nos/ E unicamente ao movimento de crescer nos guiasse. Termos das árvores/ A incomparável paciência de procurar o alto/ A verde bondade de permanecer/ E orientar os pássaros. Porque, como dizia O'Neill, em poesia não há senão esta fronteira: os poemas que têm absolutamente de se escrever, e os poemas que poderiam ser escritos ou não...
1 comentário:
«O pássaro amanhece/ e o seu bico não fere o seu canto»
muito poético!!
não conhecia de Daniel Faria.
Boas leituras..
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