
Os objectos chamam-nos, decerto.
Exemplo de certo objecto que, acontecendo estar na proximidade, nunca deixo de ouvir chamar por mim, é um livro de Juan José Millás.
A escrita de Millás não tem a menor particularidade que surpreenda. Muito simples e agradável, isenta de especiais acrobacias estilísticas, clara e fluente mas comum. O que diferencia os textos deste autor é a forma como nos expõem um mundo próximo e estranho, de uma singularidade maravilhosa.
O planeta Millás tem um lado politicamente incorrecto que, no entanto, não choca, porque se não assume provocatoriamente: antes com a ingenuidade de uma criança que não tivesse tido tempo de interiorizar e aprender a lidar com determinadas convenções.
Aliás, a perspectiva é sempre a de alguém que não cresceu: muito do seu humor radica nessa transferência incompleta, para o mundo dos adultos, de um adulto que só exteriormente o deveio; as referências e a lógica de Juan José Millás dizem respeito aos desenhos animados e aos mitos infantis: a presença distante e protectora da mãe, os amigos invisíveis, o desejo sexual que se desenvolve na visão de um manequim (um boneco de montra), que sua das axilas...
Algo de perverso assombra de maneira fascinante este universo. As referências infantis são desordenadas a partir de impulsos quase patológicos. Poderia inventar uma espécie de conto policial em que alguém assassina, precisamente, um amigo invisível?
Com
Millás é de uma graciosa originalidade. O seu humor é contagiante. Já no livro que anteriormente dele lera, me tinha sucedido rir alto, atingido de frente pelo cómico de uma situação narrada. Rimo-nos, às vezes, por aproximação - aquele não seria exactamente o nosso humor, mas anda perto: o humor de Millás não me faz rir por aproximação. Atrai as minhas gargalhadas com a maior das simplicidades, e elas comparecem. É fatal.
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