quinta-feira, 29 de julho de 2010

MURIEL SPARK: O APOGEU DE MISS JEAN BRODIE


O que Por Favor Não Matem a Cotovia, extraordinário romance de Harper Lee, contém de uma cândida espontaneidade, contém O Apogeu de Miss Jean Brodie, pelo contrário, de ironia e não-dito, de indícios e sugestões que nunca são desmontados. (O notável ensaio de James Wood sobre o livro intitula-se, precisamente: Nunca Justificar, Nunca explicar).

A fornalha de equívocos está, ali, aliás, tão activa, que é com algum espanto que me recordo de um filme com Julia Roberts, O Sorriso de Mona Lisa, que me dizem, ou terei lido, algures, que se inspira no romance de Muriel Spark: ora Julia Roberts (num clamoroso erro de casting) compõe uma professora cuja influência sobre as suas alunas, conservadoras e talhadas para o casamento, é totalmente positiva, ainda que se volte contra ela. Miss Jean Brodie, no romance, não é uma heroína. O seu "apogeu", a que constantemente se refere, e de que procura que as suas meninas "colham os frutos", é, obviamente, um mito: e a mordacidade com que Muriel Spark nos mostra, sob os mitos da sua protagonista (mitos ou, como diria Wood, as suas frases feitas, por baixo das quais se encontra uma perfeita desconhecida para o leitor) levam a que a questionemos, e às suas intenções. Uma mulher apaixonada pela educação das "meninas", ou uma solteirona egocentrista?Uma mulher cuja influência efectivamente autonomiza (como constantemente apregoa), ou, inversamente, a professora cuja influência castra e oprime? Uma alma movida pelo amor e pela generosidade, ou pela sede absoluta de controlo dos outros? (A ponto de a relação, que não existe, com o Professor de Arte, mas ela quer criar por interposta pessoa, ser uma expressão mais dessa maquiavélica fome de poder sobre os que lhe interessam?)

Muriel Spark mantém este romance numa tensão desesperada, que não percebemos de onde vem, com que fios se fabrica. Aparentemente, nada fica por por descobrir: mesmo enquanto nos descreve a fase do "apogeu" de Jean Brodie e da sua relação com as meninas, a autora vai apresentando luzes do futuro: esta menina (Mary MacGregor) acabará mal, aquela outra (Sandy) tornar-se-á freira, etc. Nem mesmo a traição de uma das suas pupilas constitui um mistério por se resolver, ao jeito dos romances policiais. Não. Desde o primeiro momento que sabemos qual das "suas" raparigas - e, aqui, hesito no tempo verbal: a trai?, a traiu?, a trairá?

E, no entanto, tudo permanece aberto, tudo são interrogações e dúvidas. Não nos falta saber quem ou o quê, falta-nos compreender o "porquê". O como mas, sobretudo, o porquê. E nesta espécie de silêncio que encobre o romance, nesta incumplicidade com o leitor, nesta ironia que desfaz clichés e desarticula, a cada passo, os caracteres que julgávamos ter já compreendido, se reconhece o génio.

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