
A Náusea é uma obra-prima de perspicácia, urdida, toda ela, à volta de uma consciência, a do protagonista e narrador, que, ao mesmo tempo que se confronta com a sua inequívoca autenticidade, sente uma espécie de repugnância visceral em relação ao mundo: as coisas, na sua consistência, o material, o corpóreo, numa fixidez sensorial e nojenta.
Mas também os outros homens, as outras consciências, se lhe vão revelando numa fuga à autenticidade que lhes compete: como se temessem a transparência, a responsabilidade e a angústia próprias das consciências e, ao invés da

Mas "tudo" o que se passa é pouco - é, a bem dizer, quase nada: uma revelação negativa (tal como em Vergílio Ferreira, cuja Aparição tanto bebe em A Náusea), ou seja, a revelação da repelência perante a natureza das coisas, como se, ao "pesar" sobre nós, o mundo nos aspirasse e nos fosse transformando em seres cada vez mais fixos e previsíveis, como árvores, como pedras. Rotuláveis, rotulados: o senhor doutor, o senhor professor, a mulher de má vida, o humanista - penso na impressionante e extraordinária personagem que é o «autodidacta», cheio de amor (abstracto) pela humanidade (abstracta), vivendo para os livros que devora metodicamente, numa biblioteca, por ordem alfabética dos autores.
Sentimos piedade por estes homens. Pelo autodidacta, concretamente - pela sua ingenuidade, pela sua esperança, pela sua fé na marcha do progresso: mas podemos não compreender o narrador deste texto (Antoine, se me não engano... Antoine quê...?) quando, numa consciência superior e cínica, detecta as ilusões dos que o rodeiam e, ao contrário do autodidacta, vê germinar em si uma anti-fé na humanidade, um rancor, uma tristeza - uma náusea?
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