terça-feira, 11 de maio de 2010

FREDERICO LOURENÇO: A TRILOGIA DE NUNO GALVÃO


Frederico Lourenço, que escreve o trecho que citei em post anterior, é um dos mais completos e rigorosos tradutores da Ilíada e da Odisseia. Para além disso, os seus ensaios sobre a cultura, o teatro, a poesia e os autores helénicos são dos textos mais límpidos, e límpidos é, de facto, a palavra que imediatamente me ocorre a seu respeito, que tenho lido no que toca a literatura de investigação.

As mesmas clareza e elegância de estilo se mantêm quando se trata da sua obra ficcional.
Frederico Lourenço é o autor de uma trilogia - Pode Um Desejo Imenso, O Curso das Estrelas e À Beira do Mundo: todos publicados nos Livros Cotovia, o primeiro, Prémio Pen Club 2002 - cujo protagonista é Nuno Galvão, um professor universitário, de cerca de quarenta anos, homossexual, bem parecido, vagamente ambicioso, porventura seu alter-ego.

Mas, sobre a atmosfera profundamente hierarquizada e secretamente conflituosa do meio académico, escalpelizada de um modo quase cruel, principalmente para quem conheça o meio e não tenha dificuldade em reconhecer-lhe os mecanismos, as angústias, as brigas, a falta de escrúpulos, talvez até algumas das personagens, o humor de Frederico Lourenço corta como uma lâmina afiada.

Os equívocos que se complicam em torno de Nuno Galvão, até como objecto do desejo de mulheres incapazes de lhe detectar a homossexualidade, mais do que um elemento cómico nos romances, revelam as modalidades de um subtil mas permanente desnivelamento na existência - familiar, profissional, erótica, amorosa - de um homem em luta consigo mesmo. E é interessante este pormenor: o facto de não haver - praticamente - uma literatura gay em Portugal leva a que, ao contrário do que ocorre nos EUA, em que uma tradição está já configurada nos seus problemas, nos seus dilemas, nos seus clichés, entre nós tudo seja muito novo, de uma singular frescura, e tudo seja pessoal, e tudo seja arrojado: portanto, essa "luta consigo mesmo" é trabalhada, por Frederico Lourenço, de uma forma lúcida, sofrida, melancólica, inovadora: como a fenomenologia de uma auto-consciência homossexual, em que a dialéctica entre o que se quer tornar visível e o que se quer esconder, ou a complicada fronteira entre o "assumir" e o "ocultar" não poderiam deixar de ser um elemento integrante, essencial, qualquer que seja a escolha que finalmente se faça.

Ao contrário dos escritores gay norte-americanos, para quem a literatura se torna um instrumento ideológico, impregnado de contemporaneidade, em Frederico Lourenço reconheço um delicioso anacronismo. A visão, transposta para o presente, de um Antigo Grego. Erótica e esteticamente. O que é de uma inesperada beleza.

1 comentário:

pedro disse...

Acabei de ler ontem. Gostei muito, muito. Apesar de ter imensos defeitos, acho eu. A ver se consigo escrever um texto sobre isto no meu blog.