Em O Fio da Navalha (mas será mesmo em O Fio da Navalha?) há uma personagem comovente, que atesta bem a penetração psicológica de Somerset Maugham, a que me referi já.
Trata-se de um idoso, que veio envelhecendo na ilusão do "social". Um pouco delirantemente porque, no seu caso, tudo teria mais que ver com o sonho e com a aparência que se esforçava por manter, do que com a realidade, esse simples funcionário empenhou toda a vida na ideia de que lhe reconheciam a nobreza de sangue e o "chic" de maneiras. Os últimos meses de vida jogaram-se e esgotaram-se na ansiosa espera de um convite para um "evento social" (como se diz hoje) a que, porém, não assistirá porque, precisamente, morre sem saber se seria convidado. Não me devo enganar muito, ao contar que os amigos o enterram com o convite, finalmente chegado, entre as mãos.
Não há qualquer azedume da parte de Maugham em relação a esta deliciosa personagem. O ridículo corre-nos a todos nas veias. As fraquezas são parte da nossa graça. Este homem dever ter existido. Conheço gente tão assim, que não é possível que Maugham não estivesse a pensar em alguém...
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