Li, não me lembro exactamente onde, que Sophia teria algum desgosto no facto de pouca importância se dar, no conjunto da sua obra, à tradução que fizera da Divina Comédia, de Dante - quando, do seu ponto de vista, essa tradução era um dos trabalhos em que mais se empenhara e um dos que considerava mais conseguidos.
Como sou um leitor que nunca se cansa da Divina Comédia (em particular do Inferno) e que nunca se cansa da poesia de Sophia de Mello Breynner Andersen, tenho, naturalmente, muito orgulho em dizer que foi pela mão da sua tradução que entrei no poema de Dante. E, já agora, que nenhuma das traduções posteriores - nem sequer a de Vasco da Graça Moura, muito boa e premiada - alguma vez se aproximou sequer do que a de Sophia me proporcionou de imediato: o acesso, a iniciação, a descoberta, o primeiro encontro, o estremecimento apavorado, o sentido do sublime.
Devo-lhe, pois, isto. Mas não só. Devo-lhe, mais do que a tradução de outrem - ainda que esse outrem seja Dante -, o amor pela sua própria poesia.
A poesia de Sophia é, toda ela, um cristal refulgente, onde a simplicidade - a enganadora simplicidade, a simplicidade que chega a parecer, a um incauto, descuidada e fácil - revela a procura obstinada da palavra exacta, a mais completa na expressão de uma certa ideia ou de um momento. É isso: de um momento, como se a beleza fugaz, a beleza que se desvanece, encontrasse nas suas palavras uma imortalidade sem arestas.
Não são sempre estes os termos que nos ocorrem a propósito de Sophia? Limpidez. Serenidade. Força. E, aos poucos, quando nos deixamos cativar, e formamos os olhos e os ouvidos que a sua poesia exige e merece, percebemos a força criativa e a cultura imensa que subjazem a esse movimento de atingir o âmago das palavras.
O segredo das palavras: onde nenhuma seja em vão para atingir o perfeito sentido.
1 comentário:
É pena não haver essa tradução à venda.
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