sábado, 6 de março de 2010

SHAKESPEARE: UM PROGRAMA DE VIDA SEGUNDO POLÓNIO

Sigo, nesta transcrição, a tradução de Hamlet proposta pelo Dr. Domingos Ramos.

O conjunto de conselhos que Polónio oferece a seu filho, Laertes, aquando da partida deste para França, não constitui, por si só, um admirável programa moral de vida?

«Fixa na tua memória estes conselhos: não dês língua aos teus pensamentos e nem executes pensamentos que não tenhas reflectido. Sê afável, mas evita por todas as formas ser banal. [Esta, talvez a minha predilecta: "Sê afável, mas evita por todas as formas ser banal.»]. Quando tiveres experimentado a afeição dos teus amigos, engasta-os na tua alma em círculo de aço; mas não prostituas os teus apertos de mão a todo o desconhecido, a todo o camarada indiferente. Não te metas em disputas; mas uma vez entrado nelas, aguenta-te de modo que o teu adversário tenha medo de ti. Presta a todos os teus ouvidos, mas a poucos a tua voz; aceita a opinião de todos, mas reserva a tua. [...] Não emprestes nem peças emprestado, porque emprestando, perde-se quase sempre o dinheiro e o amigo, e pedir emprestado embota o fio ao espírito de ordem. Sobretudo, sê sempre verdadeiro para contigo mesmo e disto seguir-se-á, como o dia segue a noite, não poderes tu ser falso para com ninguém. Adeus! que a minha benção faça frutificar em ti estes conselhos

5 comentários:

Rosário disse...

Nossa, como lembra os Provérbios de Salomão! O que o sr. acha?

josépacheco disse...

Cara Florinha Afável. Em primeiro lugar, agradecia que não me tratasse por «sr». José está muito bem. Em segundo lugar, devo dizer que neste preciso momento, em que lhe respondo, não tenho acesso aos Provérbios de Salomão. Mas não me espanta que essa ligação exista: para Shakespeare a Bíblia era uma fonte evidente de inspiração, sobretudo sua expressão poética, mas também por uma sabedoria ética, mais até do que religiosa, de que Salomão é um exemplo notável. Mas é a segunda vez, em tão pouco tempo, que a Florinha me espicaça a curiosidade: vou em busca dos provérbios...

josépacheco disse...

Florinha Afável tem toda a razão. De facto, a semelhança é notória e impressionante. Não só a linguagem parece a bíblica, como muitas das imagens empregues por Shakespeare evocam as dos Provérbios de Salomão. Veja-se, por exemplo, o conselho de que se engastem os amigos na alma (Salomão diz: no coração)em círculo de aço; por outro lado, também o conteúdo é frequentemente similar, na ideia da prudência, do não desbaratar (nem afectos nem dinheiro), do manter-se fiel à verdade e a si mesmo. Na minha opinião, encontrar as fontes mais ricas de inspiração não diminui a grandeza do autor inspirado. Pelo contrário. Obrigado pela ligação, Florinha.

Cátia disse...

tudo quanto parece não tem realidade
e quem fala por falar tarde ou cedo se arrepende.
não ser afirmativo é condição de sábio.
se quem te presenteia demonstra o seu interesse
compra o teu coração com aquilo que te dá.

AL-MÎRTULI, Séc. XII

josépacheco disse...

Bem-vinda, Cátia. Que boa visita, e que interessante ligação.