terça-feira, 16 de março de 2010

KEN FOLLETT: OS PILARES DA TERRA


Gosto de descobrir de que autores ou de que obras gostam os autores de que eu gosto.
Não me foi indiferente saber que Gonçalo M. Tavares foi desde muito novo apanhado pela baleia branca: Moby Dick, a monumental obra-prima de Herman Melville.

Também a primeira coisa que me vem a talhe de foice, em relação a Os Pilares da Terra, é tratar-se de um livro que me foi apresentado por José Luís Peixoto. (Na televisão, é claro, não pessoalmente, que o não conheço).

Mas muita coisa me parece admirável no hipertexto deste romance - a principiar logo por um prefácio em que o autor, Ken Follett, descreve como, à margem de qualquer campanha, ao arrepio de todo o marketing, o livro seguiu um curso muito próprio e muito inesperado, tornando-se paulatinamente conhecido, divulgado numa uma espécie de boca-a-boca, ou de leitor-a-leitor, que ninguém condicionou, nem controlou, nem manipulou. Nem tão-pouco se previa. Ele próprio não tinha consciência desse movimento - porque, aparentemente, as editoras se encarregam de apresentar tal género de dados de um modo suficientemente obscuro e capcioso para que os autores não percebam muito bem até que ponto estão a vender... -; de repente, todavia, quase por acaso, descobriu: o seu livro tornara-se um best-seller: algo como um secreto best-seller, que não vinha em qualquer lista nem era objecto da recomendação especial de qualquer crítico de nomeada.

O facto de Ken Follett ser, de há muito, um escritor de livros policiais e de espionagem, não fazia prever que a sua técnica de manter o suspense pudesse ter um tão feliz resultado nesta mudança do tema, do tempo, do espaço: porque Os Pilares da Terra tem, como objecto, a multifacetada história da construção de uma catedral, na Idade Média; há um rei, que acaba destronado (Stephen, seguido de perto por uma pretendente ambiciosa, Maude, que sobe ao trono, e o perde, em sucessivas e cruéis guerras civis, esperando-se que Henry, seu filho, venha a poder ser o rei que sintetiza e pacifica); há cavaleiros, monges, pedreiros, carpinteiros, prostitutas, feiticeiras, menestréis, que se vão ligando em minúsculos universos que, por sua vez, se ligam entre si, ou que se cruzam, e se desligam, e se descruzam, para se reencontrar mais tarde.

Não há, sequer, um mistério: não é, pois, um policial medieval, à maneira de O Nome da Rosa. E, não obstante, o ritmo (porque não sei como lhe chamar de outro modo) é alucinante: qualquer coisa semelhante a um vício é responsável por não podermos arrancar os olhos às páginas, às cadeias de acontecimentos, à maneira como - à imagem, aliás, da catedral - o romance se vai edificando numa grandiosa harmonia, que a cada momento enfrenta assaltos, e incêndios, e azares, e vinganças: no passo em que suspirávamos, prestes a realizarmo-nos, antevendo a felicidade de um arranjo feliz, vemo-lo ser totalmente destruído; «E agora?», perguntamo-nos, respirando, a custo, sob os escombros: «Recomeça-se do nada? Vão ter de refazer tudo do início?»

Muitas vezes, deparamos com equívocos. A elaboração dos caracteres claudica: uma personagem que nos prometia certa profundidade acaba por se esvair na pura superficialidade; onde pensávamos que poderia revelar-se ambígua, dotada de um lado mau e de um lado bom, define-se, afinal, numa única nota: completamente boa, ou completamente má. (Penso em Alfred, por exemplo, o «irmão postiço» de Jack).

E, contudo, a leitura da obra (isto é, dos dois volumes da obra, a que se seguem outros dois volumes acerca da história dos descendentes destas personagens, vários anos volvidos) é intensa, arrepiante, aterrorizante. Tecnicamente, portanto, o romance é eficaz, é rápido - e mesmo as cenas de amor ou de sexo, tão difíceis na literatura portuguesa, ao que se diz, são aqui perfeitamente aceitáveis. Do ponto de vista histórico, o romance é, no mínimo, correcto. A Idade Média tem uma dimensão sombria, violenta, maniqueísta, perversa, animal, que me parece capturada ao lado de indícios de carinho e amor, inteligência, sensibilidade estética, cultura. As personagens femininas são fortíssimas e inesquecíveis, de uma grande determinação e de uma generosidade incompreendida.

Vejo (e oiço) José Luís Peixoto dizer-nos que é um grande livro, e entendo-o. Desculpem-me a pressa, como se estivesse a despachar este post: tenho de voltar ao segundo volume...

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