quarta-feira, 10 de março de 2021

GIORGIO BASSANI: O JARDIM DOS FINZI-CONTINI



 N'O Infinito num Junco, descobri a referência a este livro de que nunca ouvira falar. O jardim era mencionado como símbolo de uma experiência maravilhosa  - o lugar aprazível em redor da mansão da família Finzi-Contini, onde o grupo de jovens amigos de Albert e Micol se reunia para passear entre as árvores, rir ou discutir, provar as bebidas ou sanduíches que lhes eram servidos e, sobretudo, disputar aguerridas e divertidas partidas de ténis -, mas que, um dia, haveria de se encerrar para os visitantes. Cada um de nós pode imaginar-se como convidado.  Gozaríamos da companhia e do jardim, que alguma vez, porém, se fechariam irrecuperavelmente para nós, e não nos restaria senão recordar.


A ideia tocou-me. Encomendei-o (já existiu numa tradução publicada pela Bertrand, que, entretanto, ao que parece, desapareceu de todo: aquilo para que agora está em voga usar o verbo "descontinuar"; encomendá-lo foi, pois, mandá-lo vir, após uma pesquisa demorada, de um alfarrabista no Porto) e tive o prazer de o achar, há pouco, na minha caixa do correio.


Li-o em duas noites. É um daqueles livros italianos, muito, muito bem escritos, com qualquer coisa de Il Promesi Sponsi ou de Il Gattopardo, embora sejam dois romances diferentes entre si e diferentes, ambos, daquele sobre que falo: na época, nas personagens, no enredo. E todavia, perceberão que secretos veios os unem, a que espírito da cultura e da língua italiana vão beber.


Os Finzi-Contini são uma família judia que o romance encontra pouco antes do início da II Grande Guerra. As leis de discriminação racial com que Mussolini procura agradar a Hitler vêm transformar as rotinas e a vida dos judeus italianos. Podemos perguntar-nos, é mesmo inevitável, por que razão os mais abastados não  terão partido, não demandaram outros países que os acolhessem. Mas compreendemos a dificuldade e o pânico do que seria o total desenraizamento para famílias vivendo há muitas gerações na sua terra; compreendemos a esperança, com os olhos postos no teatro internacional de alianças que se faziam ou desfaziam, de que tudo pudesse ainda mudar - não o anti-semitismo, que é mais antigo, talvez indissolúvel, mas aquela nova forma, assumidamente violenta e persecutória, de anti-semitismo; compreendemos a falta de alternativas. Não estávamos lá.  Compreendemos sem verdadeiramente compreender.


O cuidado e a importância, neste romance, de uma  descrição que valoriza os lugares, os quartos, a disposição dos móveis, os objectos na casa, procuram - e conseguem - apresentar-nos a propriedade, a posse, como uma garantia ou como a própria forma do bem-estar burguês. Sob o halo da memória saudosa de um narrador já longe desse tempo e desse mundo, é o brilhante modo de vida de condenados, que só ainda vagamente podiam pressentir tudo quanto o futuro lhes reservaria, o que esse detalhe na descrição nos faz reviver esplendorosamente.


Depois, notemos a subtileza e a contenção como estruturantes do romance.  Explicá-las com pormenor seria sem dúvida dizer de mais. Mas vejam como tudo na história são possibilidades que o narrador nunca desvenda inteiramente: as suas suspeitas (de que o leitor não poderá estar certo), ou até aquilo que o leitor julga adivinhar (mas de que o próprio narrador parece não suspeitar). Em cada momento, pensamos que poderiam, ou não, ter sucedido acontecimentos que explicariam os actos e as reacções de personagens - mas são apenas sugestões, vislumbres, interpretações. Ao contrário do fim da leitura de um policial, estamos destinados a fechar o livro com todas as dúvidas. E o jardim que frequentámos, mas de que fomos expulsos, como fomos expulsos do paraíso, será para sempre o mistério longínquo de uma paixão impossível.

2 comentários:

sonia disse...

Assisti ao filme. Muito bom. A sensualidade da atriz provoca um clima de suspense, como se a atração entre o homem e a mulher pudesse ser levada ao extremo quando o sentimento de perda parece ser iminente. Eu era muito jovem quando assisti a esse filme, mas ficou gravado na memória.

josépacheco disse...

Dizem-me muito bem do filme. De um realizador italiano importante... seria Vittorio de Sicca?