domingo, 30 de agosto de 2020

BERGSON: O PENSAMENTO E O MOVENTE


Quando me dirigi à Ler Devagar, procurava, como imaginam, o momentâneo desconfinamento que me oferecesse a alegria do mergulho num lugar lindíssimo, entre livros, espalhados por várias mesas ou a que se acede, nas estantes, pelas escadas acima; foi aquilo de que precisava: folhear novidades e antiguidades, sentar-me a beber uma água tónica, comprar qualquer coisa de um Autor de que andava à pesca.

De vez em quando, faço aqui, neste blogue, uns desvios pela filosofia. Está-me no sangue. Diz respeito, sobretudo, a descobertas ou a reencontros. Não creio que mesmo os leitores menos afins com a filosofia me levem a mal.

Agora , perseguia Bergson. Bergson, no meu caso, seria uma descoberta, ou um reencontro? Talvez mais uma descoberta. Sim, não me era inteiramente estranho; sim, estava ciente da sua reflexão acerca do tempo; e sim, até me lembrava que a filosofia de Bergson terá, de certa forma, influenciado a visão que Proust nos revela do tempo e, portanto, o seu Em Busca do Tempo Perdido (que, para mim, constitui o ponto mais alto da Literatura). Já agora: também me recordava da famosa conversa pública entre Bergson e Einstein, precisamente acerca do tempo, sobre se (perguntava Bergson) não poderíamos pensar um outro tempo, para além do da ciência e dos físicos, o que Einstein negou veementemente.

O opúsculo que trouxe da Ler Devagar, numa agradável e rigorosa tradução no português do Brasil, reúne uma série de artigos e de conferências. Retoma a questão do tempo, é claro, sua intuição primordial, visando mostrar que o tempo da ciência é um tempo "cinematográfico ", em que, como numa película, não existe mais do que uma série de instantâneos, de pontos mortos, estáveis. Ou seja, em última análise, o cientista "espacializa" o tempo - o que não é um erro, é um modus operandi necessário no interior do sistema em que trabalha, mas o impede de tocar a duração, a experiência própria de um tempo que não cabe nas grelhas do físico, o tempo da espontaneidade da nossa acção sobre o mundo. O tempo vivido como espera e mudança, em que o passado está organicamente contido no presente, porque até a distinção entre passado, presente e futuro seria, de certa forma, uma convenção da nossa linguagem e um comodismo artificial.


2 comentários:

sonia disse...

Essa história do tempo, José, sempre me instigou a procurar cada vez saber mais a respeito. Consegui encontrar a resposta mais satisfatória no livro TERTIUM ORGANUM, de Ouspensky, onde ele escreve que o tempo é a quarta dimensão do espaço e desenha a terceira dimensão como um cubo que ao rolar a primeira volta dá idéia da quarta dimensão do espaço.
Abraços.

josépacheco disse...

Justamente, para Bergson esse é apenas um lado do tempo. É o da física. E consegue-se por meio de uma "espacialização" ("é a quarta dimensão do espaço"), que deixa passar entre as suas malhas outros lados: nomeadamente o que intuímos pela nossa experiência. Um grande abraço, Sonia.