quarta-feira, 2 de setembro de 2020

VIRGINIA WOOLF: CONTOS



É difícil não acreditar que Virginia Woolf, sentada a uma secretária, num quarto que fosse seu quando um dia o conseguiu, registando em folhas de papel o que viria a ser a sua obra, não estivesse consciente, e perfeitamente consciente, de que aquilo que estava a fazer era novo. Que importância terá tido essa consciência? Seria primordial? Ou um aspecto, apenas, do que lhe interessava exprimir?

Leia-se, por exemplo, como testemunho dessa novidade, o primeiro dos contos do belíssimo livro de contos de Virginia Woolf, da Relógio d'Água. É irresumível, claro, mas deixem-me dar conta do princípio que o move. A narradora (que seria, aqui, mais a observadora-pensadora do que uma "narradora" de quase-nada) repara numa mancha na parede. Intriga-se. Pergunta-se o que poderia ser.  Um prego de que esteve pendurado um quadro? Uma figura da humidade? Ela poderia levantar-se da cadeira em que se encontrava sentada, aproximar-se, tirar as dúvidas. Comodamente instalada, porém, não lhe apetecia. E ia-se sugerindo possibilidades. O interessante é que nós lhe acompanhamos a divagação, e esta é-o no verdadeiro sentido da palavra.

Poucos anos antes de se falar em surrealismo, VW procurava captar a corrente de pensamento, mostrar o acto de pensar na sua espontaneidade e no seu movimento um pouco tontos, fazendo as mais imprevisíveis e subjectivas associações e errando sem fronteiras ou vigilância. Ora se afasta da mancha que lhe prendeu a atenção, viajando e recordando até muito longe, ora lhe retorna, como se tivessem passado anos, ou séculos, para perceber que nada mudara.

O mais curioso é que vai criando uma inesperada e tensa curiosidade. Falo-vos de um conto, mas todos têm que ver com alguma subtil estranheza, que acabará guiando diversas personagens para fora das convenções. Uma paixão incompreensível, ou um crime que talvez não se tenha cometido. O mundo existe, e a sua observação é sempre meticulosa. Mas através de um pensar que se vai interrogando, intuitivo, de associação em associação, sem dar contas das suas voltas, nem controlar uma febre da excentricidade. Poderosamente.


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