sexta-feira, 17 de julho de 2020

JOSÉ d'OLIVEIRA GOMES: COISAS DO DIABO E ESTÓRIAS DO ARCO DA VELHA




                                                                              Não direi "gurus", apenas porque as pessoas em causa ficariam incomodadas e até ofendidas com o peso do estatuto que lhes depositava sobre as costas. Mas estrelas-polar, que até é mais bonito. Confesso: guio-me por elas, na descoberta do que é novo em matéria de literatura. O meu primo, sobejamente mencionado neste blogue; a Paula, que me deu a conhecer tantos autores espanhóis; ou a Elisa, que me veio apontando, sem até,  talvez, se aperceber, inúmeras pérolas ocultas.

Estas editoras praticamente invisíveis, estes poetas, estes contistas maravilhosos, cujas vias, na maior parte dos casos deliberadamente, optam pela fuga ao demasiado frequentado e conspurcado, são sempre relâmpagos secretos, objectos de culto no sentido daquilo que não é para todos os olhos, daquilo que só os paladares exquis merecem. (Não sou tão snob assim. Uso o termo pela graça).

Elisa Costa Pinto, no seu mural de facebook (que é, by the way, uma subida aonde se respira de outra forma, estética e tematicamente, no bom-gosto da simplicidade e da profundidade ao mesmo tempo), mencionou há pouco um livro, recente (2019), de breves histórias. Tão breves (brevíssimas!), que citava uma.
Tenho o livro nas mãos,  graças à desenvoltura de uma outra amiga, para quem tudo é rápido, a Cristina. Deixem que partilhe convosco a revisão do provérbio com que JOG conclui o seu livro: "O cão larva e a caravana pássaro."

A partir daqui,  ganhámos uma excelente varanda para apreciar o todo: a facilidade na síntese, no tirar partido de equívocos,  na forma deliciosa como se misturam registos e linguagens (vide o conto em que os discípulos, penando para chegar ao lugar, recolhido e de acesso difícil, onde se encontra o Mestre, e esperam, já diante dele, uma frase redentora e sublime, são surpreendidos por um dito coloquial de velhinha típica portuguesa: o melhor do cómico e do ridículo nasce quase sempre, aqui, da surpreendente intersecção entre o sagrado e o profano, o elevado e o quotidiano, o profundo e o mesquinho); o sentido de humor, a provocação, o delírio. E, principalmente, uma certa dose, a quantidade adequada, de sadismo cínico, que não deixa de nos arrepiar no momento em que, precisamente, nos faz rir.

Tudo no livro participa de uma espécie de fingimento pessoano. Já percebemos que o nome é um heterónimo, de que um editor, de cuja existência real desconfiamos imediatamente, nos dá uma nota biográfica hilariantemente improvável.

A Elisa fez a comparação com Mário-Henrique Leiria, sublinhando justamente que José d'Oliveira Gomes não fica a perder. Concordo absolutamente: se aqui reinventa o estilo e o espírito gin-tónico, não é como um epígono ou um imitador que JOG o faz: é como um discípulo digno e maior, um endiabrado e engraçadíssimo refazedor do caminho. Obrigado, Elisa.

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