quinta-feira, 16 de julho de 2020

PAUL JOHNSON: SOCRATES, A MAN FOR OUR TIMES


Sócrates é uma figura fascinante e profundamente revolucionária. Na vida e no pensamento, se podemos realmente falar de um "pensamento" socrático, para além daquilo em que Platão o terá transformado (e já lá vamos!). O que vemos nele é extraordinário : o homem de uma exigente coerência, que renunciou a uma carreira brilhante (ao contrário dos sofistas seus contemporâneos, que transmutavam as competências oratórias em dinheiro) e desprezava qualquer forma de propriedade, preferindo devotar a vida ao exame de si próprio e dos seus concidadãos, livremente,  com uma ironia, mas, ao mesmo tempo, uma cordialidade, de que perdemos o segredo.

Nietzsche acusou-o de um dos piores pecados na história da filosofia. O de ser o coveiro da filosofia trágica, a dos pré-socráticos, que expressava uma ligação às forças do cosmos - que Sócrates rompeu, inaugurando uma intelectualização no modo de olhar o mundo (e o mundo que lhe interessava era o dos homens e suas acções), que nos desprende e afasta, ensinando-nos a desprezar a realidade física, sensível, como mera aparência, impondo, como verdade, um mundo puramente ideal, descarnado, inflexível. Mas terá sido, realmente, Sócrates o responsável? Ou seria Platão,  em parte em seu nome?

O livro de Paul Johnson sobre Sócrates, apregoado por The Wall Street Journal como "spectacular", é de facto, por mais do que uma razão,  "espectacular". A tese central é a de que o Sócrates autêntico nada tem, ou muito pouco, que ver com o Sócrates que Platão terá inventado como arauto das suas próprias ideias, dele, Platão. A pretensão não é original: ao invés de Sócrates,  o que encontramos, na maioria dos diálogos platónicos, é uma ínvia personagem a que Johnson chama Platsoc, a mistura impossível e equívoca de alguma coisa de Sócrates com a forma e os propósitos de Platão.

Como os distingue Johnson? A esta pergunta, meu primo responde, com graça: tudo o que agrada a Paul Johnson é de Sócrates.  Tudo o que lhe desagrada é de Platão.

Descontando a parte de ironia, é um pouco disso que se trata. Raramente vemos argumentos convincentes para o separar das águas. Um guia estritamente sentimental parece mover o autor nesse trabalho. Atinge os píncaros quando ousa afirmar,  peremptório, a propósito de A República, que se trata de uma obra placsocrática, com a excepção "clara" de certas frases, que atribui indiscutivelmente a Sócrates.

Advertidos contra este pendor do ensaio, este enviesamento, considera-se a sua leitura extremamente cativante. É um livro bonito, muito bem escrito, que procura enquadrar o Sócrates histórico no seu tempo e na cultura ateniense. É,  sobretudo, o livro de um apaixonado por aquele sobre quem escreve. Com as consequências, as boas e as más,  daí decorrentes.

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