terça-feira, 5 de agosto de 2014

ROBERT HARRIS: PÁTRIA


O livro, que foi traduzido para português nos anos 90, está esgotado.
Dei-me a alguns trabalhos para o encontrar e, por fim, requisitei-o na habitual biblioteca.

Os pressupostos são promissores, mas nada valem de per se. O nazismo teria vencido a Guerra e, nos anos sessenta, na Berlim de uma Alemanha expandida, que se prepara para comemorar os 70 anos do seu Führer, testemunhamos a euforia generalizada, a atmosfera festiva, mas, sob esta, aos poucos, penetrando na vida quotidiana de cidadãos comuns, detecta-se o desgaste e o desgosto.
Não é nada de muito óbvio. Hitler é adorado pelo seu povo; não se fala dos judeus - e poucos se apercebem da sua invisibilidade, o seu paulatino desaparecimento. As juventudes nazis são fervorosas. A propaganda cumpre zelosamente a sua missão. Que desgaste seria, pois, esse? Que desgosto se entranha, como resistência passiva, no mundo ariano?

Um agente da polícia é chamado a investigar um cadáver surgido num rio. Este detective, cujo nome não recordo nem vou agora procurar, é um homem na verdadeira acepção da palavra: por "homem" entendo um ser humano autêntico, com contas por pagar e uma vida contaminada pela infelicidade. Não é um nazi nem um anti-nazi. Nada possui de um herói ideológico. Não sustenta uma teoria sobre o mundo triunfante e triunfalista em que está submerso - nem contra nem a favor. Divorciado de uma mulher que o considera, porém, teórica e praticamente negligente, sem fibra de militante [ela, pelo contrário, fora apreciada e condecorada como exemplo de mulher alemã]; pai de um filho que, porventura, secretamente, o ama ainda, mas ao mesmo tempo o despreza pelo seu relaxamento ideológico, e o há-de denunciar ao partido, este homem descobrirá, na sua investigação, estranhas e perigosas implicações políticas.


Mesmo um indiferente - caso do protagonista -, quando toma consciência de factos e sentimentos recalcados, que não poderão já evitar-se uma vez postos a nu, tem de assumir posição: só conseguiria manter a preguiça da inocência, ou da indiferença, se lhe faltasse qualquer centelha de humanidade e de espírito. Pelo contrário, se as perguntas mais terríveis nos acicatam; se nos questionamos; se principiamos a reflectir, movidos pela paixão inesperada por uma inimiga, ou pela perfídia e traição dos "nossos", como desencadeadores da epifania; se a nossa índole é boa [sendo uma pessoa boa aquela que se preocupa com os outros], então não há como continuarmos aceitando.

Pátria é, mais profundamente que a obra de um John Le Carré por exemplo, um exercício policial na paisagem de uma interrogação  moral e política: torna-se aliás, e mais do que muitos ensaios dedicados ao tema, uma reflexão sobre os laços e as clivagens entre a moral e a política.

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