terça-feira, 28 de dezembro de 2010

O MEU BALANÇO BLOGOSFÉRICO

Mariana escreve, em poucas linhas, um post que acerta em cheio no lado mais interessante da blogosfera: a riqueza da comunicação. Não menciono esse texto porque este menciona o meu blogue, ora essa. Faço-o porque também eu tenho vontade de alinhavar, em jeito de balanço (injustamente parcial), alguns tópicos sobre o quanto essa experiência me trouxe.

Quando iniciei o Profissão: Leitor não tinha quaisquer peneiras. A sério. Nem me lembro bem da história - recordo aquela espécie de fome de escrever sobre os livros que amo, numa perspectiva completamente despretensiosa, de leitor, não de académico nem de crítico. Às vezes, um livro surgia como pretexto para falar mais sobre o modo como o encontrara, do que sobre ele; mais sobre as minhas emoções ao lê-lo, do que sobre ele; mais sobre a minha vida (subjectiva e objectiva) em redor do dito, do que sobre ele. A quem raio poderia isso interessar?

E, no entanto, interessou. Suponho que as minhas primeiras seguidoras terão sido algumas ex-alunas que, um dia, me reviram, e a quem referi o blogue. Depois, chegaram leitoras brasileiras de nomes delicados e sonantes, com os seus próprios inesperados blogues. Entretanto, uma Minhota descobriu-me (a propósito de um texto sobre Dona Tartt) e, com o lirismo da sua visão e da sua escrita, veio dar-me conta do que significavam para si as leituras [em] que eu [me] expunha. A seguir, tropeçou em mim Beatrix Kiddo, cujo blogue, Tenho Estado a Ler Whitman, me permitiu a descoberta assombrada de como achar a frase memorável (que B. vai, julgo, pescando e reunindo num caderno mágico) e casá-la eternamente com a imagem justa (que B. pesquisa infatigavelmente). Mas não só: através de Beatrix abriu-se o meu horizonte blogosférico: alguns blogues de verdadeiros eruditos, que nem me atrevo a comentar para não lhes parecer demasiado simplório - mas que não resisto a consumir, como um viciado -, ou os leitores cultos e cheios de curiosidade, que, no longínquo Brasil, sinto tão próximos (Velton Clarindo e Jamil) ou, em Portugal, os perfeitos Anita no Alfarrabista, Rua da Abadia e a A Namorada de Wittgestein.

Só mais tarde Mariana se cruzou comigo. E a minha sede de cultura brasileira (onde eu já encontrara literatura, poesia e música sublimes, cinema e teatro muito bons, o melhor e o pior da televisão, uma imprensa excelente e variadíssima, um trabalho de tradução cuidado, rigoroso e extremamente amplo...) foi sendo mitigada pelo seu blogue profundo e riquíssimo, repleto de caminhos e de surpresas, de jogos de linguagem e de reflexão, não desdenhando dos casos de vida, da profissão, música por todos os poros, cinema. Mariana discute comigo. Obriga-me repensar e a voltar atrás em certos preconceitos. Lança barcos como quem dispara setas, sem repouso. Indica-me novos blogues: fez-me descobrir Zé Alberto, ousado e inventivo amigo do rendilhado barroco de Agustina e da ferocidade provocadora de José Vilhena.

E, tenteando, tacteando, sinto-me profundamente realizado neste blogue pelo que ele tem de abraço, de conexão, de comunicação vital. Como diz um certo anúncio: Podia viver sem ele?! Podia. Mas não era a mesma coisa...

6 comentários:

Zé alberto disse...

Adorei o seu texto, a forma escorreita como desenvolve as suas ideias e a clarividência com que as expressa.
Excelente o seu "passeio pela blogosfera". Muito apreciei a leitura.
A Mariana está de parabéns pela dinâmica comunicacional que o seu excelente blog gerou.
José, mais uma vez lhe agradeço toda a consideração que demonstra pelo meu "a ilha do Zé".

abraço.

Mariana disse...

Deveras surpresa com a menção a mim feita e ao meu blog neste texto tão bem alinhavado, enquanto percurso de leitura e de descobertas. Eu não sei se mereço esses adjetivos todos... de todo modo, fico contente, não posso negar.

O meu blog, creia-me, começou de modo bem despretensioso, como um sucedâneo das sessões de análise, fruto de uma inquietação profunda diante da vida. E de repente percebi nele algo vital, e percebei também o quanto certas "passagens" alteraram-lhe a fundo a configuração: para melhor, suponho. Tenho inclusive vontade de falar sobre isso, assim como você faz no seu post, mas no momento outras coisas me chamam com mais urgência, e vou ficando nos posts mais "casuais".

Gostei disso: "Mariana discute comigo". Nunca fui de deixar nenhum professor meu quieto, e acho que o melhor da blogosfera está nesse intercâmbio, na possibilidade de falar, escutar, ser ouvido, fazer-se ouvir. Quanto aos livros, filmes, músicas, eles são uma espécie de alimento, assim como a escrita. Que é também uma escuta, que eu acho importantíssima.

Mais uma vez, obrigada pela menção tão legal (vou colocar assim, no coloquial) a mim e ao meu blog. A vitalidade dele reside na minha inquietação, num equilíbrio delicado e sutil. Que venham novas leituras e inquietações!

Abraço.

josépacheco disse...

Mariana e eu mutuamente nos atentámos por causa de Emily Dickinson. É muito interessante. Obrigado José Alberto, obrigado Mariana.

Beatrix Kiddo disse...

olha eu!

B. tem de facto um caderno, aliás, dois ou três, desde há uns anos.

As imagens, em tempos pesquisei muitas e tenho bastantes numa conta, ultimamente n tenho ido à caça de imagens

e obrigada, 'maneiras que é isto, obrigada

{anita} disse...

Que surpresa encontrar neste texto o nome do meu bloguinho ainda tão jovem junto de blogues tão respeitáveis como o "Rua da Abadia" ou a "Namorada de Wittgestein"...
O seu balanço blogosférico é muito amigável e generoso.
É bom ver como os blogues nascem frequentemente com um propósito "completamente despretensioso". Quero acreditar que na base de cada blogue está um desejo sincero de partilha. No meu caso foi assim.
Na altura coloquei o problema: como partilhar a minha paixão por livros antigos, esquecidos e poeirentos sem a linguagem e o clima pesados que tantas vezes acompanham os temas de carácter bibliofilo? Como tratar os livros por tu sem pôr em causa o respeito que sinto por eles? a ideia que me surgiu quase instantaneamente foi falar em nome de uma menina que mais do que dissertar sobre livros vivesse rodeada por eles e se deixasse surpreender com as descobertas em cada um. Fico verdadeiramente contente por estar a gostar, pois são estes mimos que me fazem continuar...
Tem sido também um prazer acompanhar o "profissão: leitor".
Bom ano e bons posts! :)

Jamil P. disse...

Obrigado pela referência e apreço, José. Sou um leitor tão desatento que não havia reparado. Aliás, nem tinha lido ainda esse bonito post.
Admiro e gosto muito do seu blog, que é um reflexo da sua extraordinária pessoa.
Um grande abraço!