Fui, por várias razões, um leitor compulsivo do Fausto.
Por causa de uma curiosidade, digamos, cultural, a propósito de uma obra que impregna a cultura e a arte ocidentais, por causa da história de uma paixão posta à prova (precisamente entre Fausto e Margarida), por causa da «Noite Clássica de Walpúrgis», que reúne, numa delirante orgia, seres demoníacos das mais diversas mitologias, e por causa de Mefistófeles himself: um diabo que encarna o lado mais inteligente e sofisticado do mal, como aristocratizando a perversão (o contrário, por acaso, do que a pintura ao lado sugere) não pode deixar de exercer sobre nós esse fascínio perigoso e arriscado que explica a nossa paixão desesperada por todos os Hannibal Lector da literatura ou do cinema.
Fausto é, no fundo, a origem inescapável de muitas obras tardias, que aprendemos a amar: desde algumas das mais eruditas - a ópera de Gounod ou o cinema de Murnau - até outras, consideradas, porventura, superficiais, como Tintim: há que não esquecer que, por exemplo, nas aventuras de Tintim, a impagável diva Bianca Castafiori canta obsessivamente - e com efeitos catastróficos muitas vezes - a ária das jóias, do Fausto, de Gounod: ela representa uma Margarida opulenta e corpulenta, de grandes mamas e já, talvez, demasiado velha para a personagem.
Ou que dizer, por outro lado, de Margarida e o Mestre, romance magnífico de Bulgakhov, que por todos os seus poros respira o mito fáustico e a cultura goethiana? Não poderíamos amar tão perdidamente estes caminhos sem enfrentar o seu fundamento e ponto de partida.
Li-o por dever e por prazer: às vezes simultaneamente por dever e prazer, mas, durante longas passagens, sem qualquer prazer, como se a minha alma estivesse sob um contrato que não pudesse quebrar. É um poema em que se exprimem ideias e imagens a que daremos importância mais tarde: não no acto de as ler, e sim quando, depois, talvez muito depois, nos apercebemos de que constituiram, no nosso espírito, uma visão intensamente trágica, de que nunca mais nos libertaremos.
Há livros que interessam pelo prazer que proporcionam como leitura, ainda que os esqueçamos assim que chegarmos à última página; e outros cuja leitura se tornará imprecindível pelo trabalho que, sobre nós, se iniciará quando a concluímos, depois de passada a última página: imprecindível para sempre.
1 comentário:
Fausto é uma das minhas personagens preferidas, ums vez que personifica todas as ambições e contradições do homem moderno.
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