segunda-feira, 6 de setembro de 2010
COLETTE: CHÉRI
Na minha busca, um pouco insana por vezes, de obras esquecidas, sobre que tenha ouvido falar, aqui, ou acerca de que haja lido alguma coisa, ali, deparei, por acaso, num alfarrabista, com Chéri. É um livro de Colette. Na altura, Colette intrigava-me. Conhecia-a mal, ou, sejamos rigorosos, não a conhecia a não ser de vagas mas fascinantes referências; quis resgatá-la às teias-de-aranha, ao pó das estantes. Trouxe-o comigo.
Na contracapa, por baixo de uma fotografia da autora, escrevendo, sob o olhar atento de um gato e a luz de um candeeiro de tecto, li: Beaucoup plus qu'une histoire de gigolo.
Chéri é, talvez, «muito mais do que uma história de gigolo», mas é, também, uma história de gigolo. Léa, banhando-se orgulhosamente naquele limiar da idade em que uma mulher, podendo ser ainda interessante e desejável, sabe que a fronteira está, imperceptivelmente, a ser transposta, e que, um dia (não distante), os homens deixarão de a mirar e desejar, faz, entretanto, de certo jovem o símbolo do seu poder e da sua capacidade de sedução; o objecto de admiração e de inveja por parte das outras mulheres.
Tanto quando me recordo deste romance, o que lhe encontro de maravilhoso é uma inexplicável e perturbadora comunhão entre a superficialidade e a profundidade. Porque há um culto do gosto do efémero, do leve, do vazio, mas, ao mesmo tempo, uma descida à angústia e ao sentimento que se ocultam sob essa superfície: o próprio protagonista, na sua inconstância, vai amadurecendo, de algum modo. Chéri é filho de uma cortesã e de pai desconhecido; vive com Léa (uma amiga de sua mãe), com a qual não conseguirá romper definitivamente. Nem no momento decisivo, em que se espera que o faça pelo casamento com uma jovem rica, que o ama.
Que tem Léa, vinte e cinco anos mais velha do que Chéri, para oferecer-lhe? De que é feita a sua sedução? De que vive o seu amor impossível, desadequado e, contudo, irresistível, como o longínquo apelo que nada pode calar? Há, talvez, uma tragédia latente, numa história que evita assumi-la. Oiço, no seu subsolo, o mal do envelhecimento e a inversão do romantismo. Não causa, hoje, o frisson que terá provocado em 1920, quando pela primeira vez se publicou. Mas resistiu ao tempo. Vê-se, com inusitado prazer, a vibração de Paris dos anos 20.
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