Pode consumir-se, precisamente, como o repouso em relação a livros ditos mais "sérios". Pode consumir-se como um determinado vício: o teste das nossas próprias habilidades de raciocínio, na secreta esperança de estarmos em competição com o detective; ou pelo impacto da fantasia, que nos transporta para universos alternativos. Em resumo, há um "quê" concreto que nos acena do fundo de um romance de género - e que não é, certamente, a poesia das palavras ou a profundidade da reflexão.
Posto isto, e sem preconceitos, sou um grande admirador de praticamente todos os géneros de literatura de género.
No que respeita aos policiais, tenho estado a interessar-me pelos autores nórdicos que, por alguma razão, se têm tornado grandes mestres do suspense e do mistério.
Caiu-me nas garras, agora, O Hipnotista, de Lars Kepler.
Começa porque não existe nenhum Lars Kepler: o pseudónimo encobre um casal, Alexander Ahndoril e Alexandra Coelho Ahndoril, o que não vem senão na linha de uma feliz tradição nos policiais,
que é o de romances escritos a meias (a começar logo pelo caso do magnífico Inspector Ellery Queen).Ora O Hipnotista narra uma dessas histórias em que, nos interstícios palpitantes do drama, vamos conhecendo a pessoa de um investigador, neste caso Erik Maria Bark, com um passado dúbio, uma história pessoal credível, uma família em crise; ou seja: o que acessoriamente nos interessa neste romance é a verosimilhança de uma personagem em face dos problemas éticos que ressurgem, do seu passado, no embate com um novo caso, bem como a descrição, pormenorizada e dura, de uma Suécia que, há uns anos atrás, ainda nos aparecia como um paraíso da social-democracia, um exemplo feliz, e hoje observamos que se trata de uma sociedade imperfeitíssima, de onde não desapareceram os crimes, nem os bêbedos ou as morosidades da Justiça.
Diria que, como thrill
er, obedece a uma técnica saudavelmente enervante. Onde, ao princípio, notava uma excessiva vontade de descrever e explicar (desde em que consiste a "hipnotização" até, por exemplo, o que é uma "autópsia" ou a equivocidade semântica deste termo) cedo vejo um texto que se despe de tudo o que não é imediatamente fundamental: e numa linguagem precisa, narrando num presente que torna as cenas visíveis, como se a pensar numa futura adaptação cinematográfica, com capítulos curtos, que terminam em pontos estudadamente críticos, obrigando-nos a saltar de uma vez para o capítulo seguinte, este romance tem todos os ingredientes para uma leitura precipitada e nervosa, que caracteriza os melhores policiais.560 páginas que se devoram em uma ou duas noites: estão a ver o género?
Sem comentários:
Enviar um comentário