É a estrutura, ainda antes de acabarmos de ler o livro e a dominarmos, portanto, completamente, mas à medida que, capítulo após capítulo, a vamos intuindo (primeiro) e compreendendo (aos poucos), o que começa por nos chamar a atenção. Sentimo-nos orientados, seguros. Sob a dispersão de elementos (uma carta, não sabemos de quem, ou para quem, nem sequer referindo-se exactamente a quê; ou diferentes pontos de vista de personagens diversas, como se, sob o nome de cada uma, a abrir um "seu" capítulo, fôssemos ler uma parte da narrativa escrita por ela; ou breves momentos, sem contexto, como relâmpagos, que não sabemos o que nos indicam ou prenunciam), adivinhamos um alicerce forte, um fio inquebrável, um plano que se vai provando e, a seu tempo, se desvendará inteiramente.
Por outro lado, a escrita, propriamente dita, impõe-se: o poder de observação e de descrição ilumina situações corriqueiras, comuns, gestos, pensamentos, e quem leu a minha crítica anterior lembrar-se-á de que sou sensível aos autores atentos a detalhes dos comportamentos. Surpreende que uma técnica já tão apurada se dê a ver numa autora muito jovem, em luta com o primeiro romance.
É um pouco mais do que um policial para ocupar dias de férias, e muito menos do que uma obra inesquecível. Alguns clichés, apesar de tudo,
distanciam bastante Katherine Faulkner de uma Donna Tart, que, para mim, em matéria de policial contemporâneo continua sendo o nec plus ultra. Seja como for, o modo como se nos convida, aqui, a penetrar na experiência da gravidez de três personagens, as cunhadas e uma misteriosa intrusa, e nas vidas de cada uma das duas primeiras, com os seus maridos, ou convivendo entre si (uma vez que a terceira será, por muito tempo, uma jovem obscura e estranha, sobre quem julgamos, apenas, imaginar a motivação e os motivos), é muito bem urdido. O tempo em que a narrativa vai sendo medida é, aliás, em semanas, o da gravidez de Helen, a narradora principal. Instalamo-nos, pois, com as famílias, no seio dos seus sonhos e expectativas, enquanto, com alguma apreensão, reparamos em subtis linhas de fractura, talvez segredos inquietantes, pequeníssimas nódoas, capazes, porém, de alastrar até à catástrofe.
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