quarta-feira, 10 de agosto de 2022

KATHERINE FAULKNER: GREENWICH PARK

 É a estrutura, ainda antes de acabarmos de ler o livro e a dominarmos, portanto, completamente, mas à medida que, capítulo após capítulo, a vamos intuindo (primeiro) e compreendendo (aos poucos), o que começa por nos chamar a atenção. Sentimo-nos orientados, seguros. Sob a dispersão de elementos (uma carta, não sabemos de quem, ou para quem, nem sequer referindo-se exactamente a quê; ou diferentes pontos de vista de personagens diversas, como se, sob o nome de cada uma, a abrir um "seu" capítulo, fôssemos ler uma parte da narrativa escrita por ela; ou breves momentos, sem contexto, como relâmpagos, que não sabemos o que nos indicam ou prenunciam), adivinhamos um alicerce forte, um fio inquebrável, um plano que se vai provando e, a seu tempo, se desvendará inteiramente.



Por outro lado, a escrita, propriamente dita, impõe-se: o poder de observação e de descrição ilumina situações corriqueiras, comuns, gestos, pensamentos, e quem leu a minha crítica anterior lembrar-se-á de que sou sensível aos autores atentos a detalhes dos comportamentos. Surpreende que uma técnica já tão apurada se dê a ver numa autora muito jovem, em luta com o primeiro romance.

É um pouco mais do que um policial para ocupar dias de férias, e muito menos do que uma obra inesquecível. Alguns clichés, apesar de tudo,


distanciam  bastante  Katherine Faulkner de uma Donna Tart, que, para mim, em matéria de policial contemporâneo continua sendo o nec plus ultra. Seja como for, o modo como se nos convida, aqui, a penetrar na experiência da gravidez de três personagens, as cunhadas e uma misteriosa intrusa, e nas vidas de cada uma das duas primeiras, com os seus maridos, ou convivendo entre si (uma vez que a terceira será, por muito tempo, uma jovem obscura e estranha, sobre quem julgamos, apenas, imaginar a motivação e os motivos), é muito bem urdido. O tempo em que a narrativa vai sendo medida é, aliás, em semanas, o da gravidez de Helen, a narradora principal. Instalamo-nos, pois, com as famílias, no seio dos seus sonhos e expectativas, enquanto, com alguma apreensão, reparamos em subtis linhas de fractura, talvez segredos inquietantes, pequeníssimas nódoas, capazes, porém, de alastrar até à catástrofe.

É também, em dado passo, um romance sobre a invasão do nosso espaço, quando mais precisamos de o preservar e nos resguardar, por quem não tem o cuidado ou a preocupação do pudor e da discrição. A invasão perante a qual, no entanto, a nossa solidariedade e a nossa piedade (que, neste caso, serão, talvez, dois nomes para a cobardia) nos deixam impotentes. É uma descrição com o condão de nos irritar.
A leitura é nervosa, urgente. Com aquela pimenta de muitas explicações serem possíveis (serão as suspeitas que Helen tem sobre Rachel justas? será, antes, Helen louca, como alguns indícios sugerem?). Queremos saber mais, mais rapidamente, impacientamo-nos. É um thriller psicológico, chamam-lhe eles. Pois.

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