sábado, 19 de maio de 2012

P.D. JAMES: MORTE NO TRIBUNAL

Vou decepcionar alguns dos meus leitores.
Penso que Agatha Christie é uma das mais produtivas escritoras de romance policial; numa certa perspectiva, é, sem dúvida, a mais interessante: as suas personagens são extraordinárias, as intrigas muito bem construídas. Miss Marple é deliciosa, Poirot, insuperável. Então?! O que falha em Christie será, se quiserem, a dimensão literária.

Não lhe pedimos isso. Tendemos a considerar que não faz falta. E não faz. Exigimos-lhes um assassinato, e lá está ele, exigimos-lhe que o criminoso permaneça invisível enquanto possível, e não o descobrimos, exigimos-lhe que o detective vá sondando e revelando os mecanismos da verdade, no seu raciocínio surpreendentemente ágil, e é o que se nos oferece. Em comboios ou em iates, muitas vezes numa Inglaterra pacata e rural, ou na turbulenta Londres, ou em longínquas paragens. Por que haveríamos de querer algo que não fosse exactamente isto?

Apercebemo-nos unicamente do que falta, quando lemos um romance de P. D. James. Porque somos colocados perante uma história que não poderia não ser policial, mas em que, simultaneamente, esse carácter policial se torna uma dimensão, apenas, entre outras diversas. É elaborada como uma riquíssima trama de personagens com densidade psicológica, histórias de vida difíceis e interessantes, no contexto de problemas sociais e éticos que captam a atenção inteligente do leitor. Como fazer essa ligação sem que a densidade psicológica - e literária - seja uma quebra do ritmo policial: esta é a verdadeira questão. Como não abrandar o interesse na solução do crime, ao mesmo tempo que se aprofunda cada personalidade, cada relação e o todo da situação: esta é, numa outra fórmula, afinal a mesma pergunta.

E, num romance desta natureza, pouco mais há a dizer. Assistimos ao encontro do cadáver: uma advogada competente mas extremamente crítica e pouco amada; conhecemos a filha, com quem viveu desde sempre uma relação sem amor nem compreensão, tempestuosa, o choque de figuras firmes, que escondem tantos complexos e fragilidades; conhecemos o namorado da rapariga, que a advogada defendera mas desprezara, e provavelmente considerava culpado da morte da tia; o ex-amante e o ex-marido, ou o grupo de advogados, imerso numa conturbada crise de sucessão: pretextos para a reflexão sobre o envelhecimento e o receio de envelhecer, as invejas e os ressentimentos. Tudo material para o trabalho de um paradoxal inspector-poeta [poeta publicado, aliás], de estranho nome (Dalgliesh, não é?), que vai lendo os caracteres, naquela sua leitura imbuída de sensibilidade e mordacidade.  O resto é o romance a que nos entregamos, recomendado a quem não procure, num policial, somente a simplicidade das geniais deduções.

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