quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

ALESSANDRO MANZONI: OS NOIVOS [I PROMESSI SPOSI]








I Pomessi Sposi chama-se, em português, Os Noivos.


Obtive-o mercê de algum trabalho. Estava esgotado e nunca foi reeditado: mas encomendei-o em várias livrarias e, de uma, acabaram por me enviar um exemplar lindíssimo, de páginas amarelecidas. [Publicado em 1963].
Como não há fome que não dê em fartura, de uma adega de certa biblioteca recolheram também um exemplar da mesma edição, que eu tinha pedido há séculos e não tive coragem de agora recusar, pelo que tenho, neste momento, o livro em duplicado.

Raios! Meu primo não tinha mentido. Percebo até a sua inveja: «Ainda não leste? Que sorte teres ainda um livro desses pela frente.» [Percebo-a, porque sinto exactamente isso: «Que bom! Ainda não acabei de ler, ainda só vou a meio... Tanta página pela frente...»]
Passamos o primeiro capítulo, que descreve exaustivamente o local em que tudo se passa [«se passou», na presumida realidade, ou «se passará», do ponto de vista da narração] e é uma razão para que o livro não torne a ser publicado tão cedo em português (não por mim, diga-se, que sou um fanático das descrições bem escritas...), e entramos numa história de tom camiliano. É fácil perceber a influência de Os Noivos em Os Mistérios de Lisboa, sobretudo no que respeita a algumas personagens: estou naturalmente a pensar na figura, tipicamente romântica, de um frade que foi um homem da vida, um espadachim de passado tumultuoso e consciência pesada pelo arrependimento; ou nos próprios jovens enamorados, um jovem camiliano que ferve em pouca água e se apaixona perdidamente por uma moça camilianamente singela e cândida.

Há, em Os Noivos, a sistemática compreensão das personagens, reveladora de uma arguta inteligência emocional. Nunca se trata de explicá-las segundo uma psicologia de pacotilha. Trata-se da exposição de motivações desencontradas no interior de um mesmo sujeito, de mudanças de sentimento, da falsa interpretação, pelo próprio, do que está a sentir, ou do que o leva a determinadas decisões: é de uma subtileza e de uma penetração magistrais; penso [por exemplo] na jovem que professou, Gertrudes, depois de combates mais contra si mesma do que contra seu pai e sua mãe, que a manipularam e empurraram para uma tal situação. A mão dessa freira terá, na história, um papel decisivo. Para o bem, primeiro, para o mal, depois. E também esta visão está por todo o Camilo, como sabemos. O capítulo, sobretudo, em que se narra a história dramática da sua "escolha" é de uma profundidade que impressiona hoje da mesma maneira que no tempo do autor.

Existe qualquer coisa de comédia de enganos, de entrechos paralelos que vão sendo expostos separadamente, para que se perceba como se conjugaram para um determinado episódio [e o narrador volta atrás, para recuperar um fio que parecia esquecido, mas sem o qual se não captaria o "todo" das consequências]; qualquer coisa de uma explicação sociológica, que nos coloca em face dos pormenores históricos da sociedade da época, com classes e castas que se entrecruzam numa relação de forças nunca muito justa; qualquer coisa de um humor que se imiscui na tragédia: os caracteres são impagáveis nas suas fraquezas.

Estamos perante um tema de grande simplicidade: um casal de jovens prometidos não pode casar-se, porque o padre Abúndio, delicioso cobarde, se recusa a casá-los, visto que foi ameaçado por um nobre que está enamorado da rapariga. Mas o padre não diz as razões: adia, inventa, contorna sine die, de modo a que algo aconteça que o livre da sua responsabilidade.

I Promessi Spsosi é um clássico. É um romance magnífico, subtil, guiando-nos numa ânsia de saber mais e de continuar lendo, que nos domina por completo. É um daqueles livros que nos devoram: durante um certo período da nossa vida, enquanto estamos com ele, não nos larga, chama-nos, assombra-nos, ocupa-nos a mente. Acordamos a pensar nele, adormecemos com ele no espírito. Curiosamente, não tenho ideia de que Alessandro Manzoni tenha escrito qualquer outro romance. Penso que não, o que o emparceira com outros ilustres autores de alguma extraordinária obra única, como Tomasi de Lampedusa, autor do maravilhoso O Leopardo, ou numa acepção ligeiramente diferente, Proust lui-même.





Podia não o ter encontrado? Podia. Mas não era a mesma coisa.

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