sexta-feira, 27 de maio de 2011
HANS BLUMENBERG: O RISO DA MULHER DE TRÁCIA
Escrevi, há dias, que Perelman, o humorista, é sem dúvida nenhuma mais engraçado do que o seu homónimo, o filósofo Perelman.
E, no entanto, sustento que o "amor pelo saber" é uma forma singular de humor. (Um "humor pelo saber", de certo modo). Como professor de filosofia, considero, portanto, que sou, em larga medida, um actor de stand-up comedy. É com ironia que o digo? Sim, porque nas aulas, às vezes (mesmo se raramente), também me sento.
À primeira vista, esta tese poderia ser entendida como uma diminuição da filosofia, reduzida, aí, a mera matéria risível. Acontece que, por um lado, de facto, ela foi sendo percepcionada ao longo do tempo como «matéria risível». O filósofo sempre teve um papel de bobo. [Nietzsche dixit]. Leio, neste momentos, entre todos os outros, já referidos, um livro da autoria de Hans Blumenberg, intitulado O Riso Da Mulher de Trácia. Lembram-se da mulher da Trácia, não é verdade? Aquela jovem «bonita e espirituosa» que teria troçado de Tales de Mileto, quando este, entretido a olhar para o céu, caiu num poço. Lembram-se da impiedosa frase da mulher de Trácia, não é verdade? Que Tales, como todos os que se dedicam ao estudo, «ao querer saber com toda a paixão das coisas do céu» deixava de ver «o que se encontrava mesmo diante do nariz e debaixo dos seus pés». Isto é, o livro de Blumenberg recorda-nos de um modo claríssimo até que ponto a origem histórica da filosofia se pode associar ao riso.
Mas não é só enquanto objecto de troça que podemos ligar os filósofos ao cómico. Os cínicos, Sócrates, mesmo Platão e Aristóteles, aparentemente tão sérios, David Hume (e os cépticos em geral), Schopenhauer ou Nietzsche são, todos eles, exemplos de homens cuja reflexão está carregada de ironia; até o sóbrio e neurótico Kant escreve um interessante comentário acerca do riso; e Bergson tem um livro integralmente consagrado ao tema, já para não falar do «riso filosófico», na expressão que Foucault emprega a propósito de um texto de Borges; no fundo, se todo o cómico tem que ver com algum tipo de engano, o filósofo é o desenganador máximo: dar a ver a ilusão é necessariamente uma operação cómica, que ridiculariza os que não vêem senão o visível. A Alegoria da Caverna é um exemplo dessa ironia em relação ao senso comum: aqueles que crêem que as sombras são a única realidade, porque nunca viram nada que não sombras, são escravos, mas escravos cómicos. Não trágicos mas, quando muito, tragicómicos.
O subtítulo da obra de Blumenberg é Uma Pré-história da Teoria: não de uma teoria em particular, mas da teoria enquanto tal, ou seja, do distanciamento que nos permite romper com a imediatez das nossas percepções - e é seguramente um dos livros em que me basearia para a minha tese de que, em filosofia, o cómico não é um elemento menor, nem diz respeito unicamente ao método, mas à própria coisa .
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1 comentário:
Estou há tempos para resenhar esse livro, que tive de comprar de Portugal --Blumenberg não foi lançado no Brasil.
Abs!
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