segunda-feira, 18 de abril de 2011

A CHANTAGEM EMOCIONAL EM UNS QUANTOS LIVROS

a.
Flor, a Florzinha Afável, uma das leitoras de primeira hora deste blogue, acusa-me de estar fazendo chantagem emocional ao escrever que aguardo a visita, na página do facebook dedicada a Nada Mais e o Ciúme, «de quem se dá ao trabalho de me seguir até aqui [ao blogue] e de me ler». Talvez tenha razão. Ou não: quem é capaz de sondar verdadeiramente as intenções do gajo que escreveu aquele post? Ninguém. Nem eu, que em boa verdade não me lembro bem de quem era, do que estava fazendo, e para quê.
b.
Mas, para evitar equívocos, elimino-o de imediato. [Ao post, evidentemente]. Entretanto, o que me fica a matraquear é a expressão «chantagem emocional». Pensando nos livros de que gosto, reparo que, em alguns, o tema da «chantagem emocional» está muitíssimo bem tratado, e é tanto um bom revelador de emoções e de caracteres, como um bom motor das tensões que desenham uma história. Lembrem-se de Servidão Humana, por exemplo. Eu não sei bem como se chama essa arma com que aquela mulher inculta e perversa consegue, de um homem complexado, sem nenhuma estima por si próprio, que a receba sempre de novo, com a mesma ânsia e vocação para o sofrimento que da primeira vez. Não é chantagem? Uma odiosa manipulação das emoções de uma personalidade fraca?
c.
Ou em Bombaim, o romance que venho de concluir. Um homem perdeu três dedos da mão, e não foi justamente indemnizado porque a mulher, que não sabia ler, assinou de cruz documentos aceitando uma proposta miserável, indigna, da empresa a que ele dedicara parte da sua vida (e onde, aliás, o acidente ocorrera por causa das más condições de trabalho). Está amargurado; culpa-a; não pode compreender nem perdoar aquilo a que chama «a estupidez dela»; mas não é também da ordem da chantagem o modo como, decidindo não voltar a trabalhar, ou embriagando-se, ou aceitando dinheiro do próprio filho - adolescente - para tornar à taberna, todavia lembra à mulher, em todas as discussões, que tudo o que faz, o faz unicamente por culpa dela? Terrível mas extraordinário episódio de um romance que não procura explicar ninguém, que se limita a pôr-nos perante a tragédia de relações sem culpa nem redenção.
d.
E em Correcções, de Franzen, não é também a chantagem emocional (exercida sobre o marido e, sobretudo sobre os filhos) o que dirige todos os actos e todas as palavras de Enid, que afinal tão pouco pretende: juntar uma última vez a família à mesa, na noite de Natal? Ou no inesgotável Em Busca do Tempo Perdido, não são inesquecíveis os truques com que o pequeno Marcel, sempre adoentado, chantageia toda a família com as suas «crises neurasténicas», tentando que a mãe lhe faça companhia, à noite, no quarto? Já para não falar das chantagens de Charlus, ou Swann, ou do próprio Marcel, já crescido, com as suas namoradas?
e.
Não sei se Flor me acusou justamente, se não. Encaixo a reprimenda. E encaixo-a grato, porque me oferece, como bónus, um tema que me permite voltar a escrever um post. Este.

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