Todos os racionalistas, que desconfiam dos sentidos, perguntam (ou partem sub-repticiamente da pergunta): Como posso eu estar certo de que a «realidade», que apreendo através de sensações, é real? Por que não uma ilusão, uma alucinação, uma virtualidade, um sonho?
A pergunta soa-nos mal, porque a «realidade» é a realidade a que nos habituámos. Não a questionamos porque não percebemos que, na aceitação do que os sentidos nos entregam, há um acto de fé.
Da mesma forma, quando Antonio Baños Boncompain escolhe, como título da sua obra, A Economia Não Existe, introduz, na leitura, um desconforto e uma inevitável perplexidade. Porque a economia é a nossa realidade, porque comanda as nossas vidas (e de que maneira!), e porque existem até prémios Nobel dessa matéria.
A estratégia de Antonio Boncompain é de uma simplicidade elementar. Primeiramente, começa por questionar a economia como ciência: que raio de ciência seria essa em que, a despeito de uma linguagem ininteligível, que só os eleitos decifram (e, porventura, nem todos) e de uma impressionante utilização das matemáticas, realmente não se é capaz de quaisquer previsões? Todas as crises parecem inesperadas: é um facto. Os Nobel são os primeiros a mostrar espanto quando o terror cai globalmente sobre as nações. Por outro lado, não é verdade que as crises são criadas pelos próprios responsáveis pela economia? Não é verdade que é o discurso economista que, num certo sentido, provoca os altos e baixos? Não é verdade que a crise resulta, em primeiro lugar, da psicologia - o medo e o pânico, ou a confiança dos consumidores e dos accionistas?
Mas, se quisermos fazer uma abordagem histórica, observamos que as «leis naturais e eternas» da economia são, na verdade muito recentes. E, comparando sociedades, também não temos dificuldades em perceber que houve - e há - sociedades onde a «economia» não tem qualquer papel. Em torno destas ideias, na verdade muito simples, mas que nunca havíamos posto com esta acutilância, Antonio Boncompain revela a economia como uma pseudo-ciência, no limite do imoral (porque carece da pobreza para produzir riqueza, por exemplo; ou porque nos ensina a ver como incontornável o trabalho assalariado, quando este é uma invenção cretina da Idade Média, que não visa senão reproduzir-se indefinidamente, reproduzir o sistema e controlar a perigosa mobilidade dos pobres, fixando-os e criando-lhes rotinas de que dependa a sua subsistência); é uma «ciência» de profetas que, em última análise, não serve senão os próprios profetas (cuja palavra decide a dinâmica dos mercados) e as classes privilegiadas.
Há, neste livro, um humor ácido a que não estamos habituados. Talvez essa veia sarcástica tenha sido um aspecto perturbador no início da minha leitura, como se representasse falta de seriedade, uma falha imperdoável em trabalhos académicos. Mas, assentemos, não se trata de uma tese académica. A Economia Não Existe é um texto de divulgação, uma cantiga de escárnio e mal-dizer, uma excelente provocação da forma como a nossa vida se deixou enredar completamente por meandros que fazem passar por científico o que tem, antes de mais, um carácter ideológico e político.
Frustra-me, talvez, perceber que é com base num absoluto logro que o governo do meu país decidiu fazer desaparecer, todos os meses, uma parcela significativa do salário que nós, funcionários públicos, conquistáramos. Mas não deixa de ser importante lembrá-lo, compreendendo o cinismo com que, ao longo do tempo, os mais diversos economistas (ou pré-economistas; vide São Tomás de Aquino himself) estavam conscientes de que, em última análise, se trata sempre de encontrar os meios mais eficazes de manipular os meios e condições de subsistência dos indivíduos na cidade.
4 comentários:
Apreciei muito esta sua escolha; muito gostei desta sua tomada de vista.
abraço.
Caro Pacheco, asseguro-lhe que a economia é de fato uma ciência, mas que ainda engatinha, a ponto de ter como verdade coisas um tanto fantasiosas, bem como a teoria da geração espontânea.
Em todo o caso, considero este livro altamente recomendável a todos os economistas. Nem que seja como uma provocação que os obrigue a pensar nos limites da sua ciência. ´Tem passagens hilariantes e algumas críticas que não deveriam ser ignoradas. Um abraço.
Este livro é fabuloso! Já o li e recomendo vivamente. Obrigado pela vossa divulgação neste espaço de uma obra que considero de leitura obrigatória
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