sábado, 8 de janeiro de 2011

WAUGH DE NOVO


Curiosamente, pessoas diversas e do mais variado género, quando me vêem passar com o livro que ando a ler, ou sentado, tentando precisamente lê-lo, recordam, de imediato, ou a série na TV (com Jeremy Irons, julgo) ou o filme, e recordam-nos com um encantamento e uma saudade que quase me espantam. E elas espantam-se, por sua vez, de que a série e o filme me tenham passado ao lado. Lembrar-se-ão os meus leitores?

A verdade é que, superado o prólogo (que apresenta personagens interessantes, mas, por algum inexplicável motivo, me não fixou a si), principio a aspirar, logo a partir do primeiro capítulo, o espírito de Brideshead. O segredo da escrita de Waugh, Evelyn (quem diria tratar-se de um nome masculino?), penetrou-me por fim no sangue: reside naquelas frases em que aponta os pequenos objectos que mobilam caoticamente um quarto, ou indicam a estranheza de um palacete, e através dos quais se vai deixando compreender uma atmosfera.

O espírito e a atmosfera de um lugar não são independentes dos seus habitantes. Precisamente: as personagens são descritas também como coisas (num sentido que Sartre repudiaria, mas que é literária e romanescamente tão eloquente). Isto é: conjuntos em que encontramos uma coerência inimitável, como se se tratasse de uma toilette física e psicológica: uma certa maneira de vestir, tiques, gestos, manias, hábitos linguísticos e ideológicos. Por exemplo, a simpatia e a rebeldia mimada de um Sebastian, fazendo-se acompanhar por um ursinho de peluche; ou a súmula de características de um Anthony Blanche, que «parecia carregado com a experiência do Judeu Errante», e era, no fundo, «um nómada sem nacionalidade» de que tinham, «na infância», tentado fazer «um verdadeiro inglês» (e que lembra tão fortemente uma certa personagem de Proust). Brideshead ergue-se, pois, a meus olhos: um lugar desfocado sob as lágrimas, cheio de uma graça intensificada pelo movimento da memória, centro de uma saudade e de uma evocação contínuas.

Ainda não há indícios de qualquer trama. [Estou na página 60]. Mesmo Julia, que, segundo me disseram, ganhará um papel decisivo no romance, ainda não foi por mim senão entrevista de fugida. E, contudo, Brideshead já me cativou. Uma escrita perfeita, uma delicadeza e um respeito pela memória do espaço e de momentos que nos disseram algo, primos dos que encontramos na escrita do Grande Proust; um espírito que se adensa e nos abraça; personagens que nos apeteceria que fossem pessoas do nosso convívio. Estou no ponto certo: é um livro que já não sou capaz de abandonar...

1 comentário:

sonia disse...

Proust, ah como esse escritor consegue nos envolver nos ambientes que descreve tão bem!Estou relendo sua obra, saboreando "À Sombra das Raparigas em Flor".
Uma pequena frase: ..."E com isso fiz o mesmo que um cão envenenado que, num campo, vai arrojar-se justamente, e sem sabê-lo, à erva que é o antídoto da toxina que ingeriu..."