cultura ou uma pintura: confunde-se, sobretudo, com o puro gosto pelo Belo. Mais do que o menino Tadzio, é a Ideia da mocidade o que Aschenbach ama. Ama um corpo, é claro, mas, de certo modo, um corpo mais ideal do que carnal, porque ainda não tocado por nenhum dos males da carne, ainda não corrompido, ainda não conformado com a sua condição de matéria.
E posso ver, em A Morte em Veneza, a ligação a algo frequentemente referido mas, do meu ponto de vista, muito incompreendido: a homossexualidade masculina típica da Antiguidade Grega; «incompreendida» ou «reduzida» a um único aspecto: porque, ainda que, sem dúvida, um elemento sexual estivesse presente no culto Grego da relação entre um homem e um adolescente, essa relação exprimia, principalmente, o fascínio por um certo ideal do belo. Um belo que, na Grécia, só o corpo simultaneamente masculino e jovem mais esplendorosamente encarnava.
Não por acaso, Veneza, a ambígua Veneza, é o lugar onde o amor de Aschenbach tem a sua génese. Porque, em Mann, em toda a obra de Mann aliás, se assiste ao modo como, sob a construção e a exaltação do Belo, se esconde sempre o pútrido e o fétido, o perverso e monstruoso. E Veneza é a própria expressão desse engano e dessa indefinição: ou por causa de uma ameaça velada que sopra, nos ventos malignos, sobre aquela arquitectura mítica; ou da epidemia que se oculta e todos os habitantes silenciam, e da morte que faz o seu trabalho sob a graciosidade de pintura renascentista da cidade líquida. Os monstros retornam sempre, na figura grotesca de velhos que se fazem passar por jovens, ou dos mais inquietantes sinais da corrosão e da putrefacção. É uma espécie de luta oferecida, pelo autor, na delicadeza de uma escrita irrepreensivelmente clássica - e essa luta é, afinal, a luta entre o indigno e o sublime, entre o desejo e a busca do ideal, o impuro e a pureza, tentando definir-se uma fronteira do belo, sabendo que este é, em última análise, unicamente a superfície do horrendo.
Os monstros expostos por Nietzsche e Freud não estão longe desta visão de uma luta sem tréguas que só a morte, inesperadamente, soluciona.
terça-feira, 28 de julho de 2009
THOMAS MANN: A MORTE EM VENEZA
cultura ou uma pintura: confunde-se, sobretudo, com o puro gosto pelo Belo. Mais do que o menino Tadzio, é a Ideia da mocidade o que Aschenbach ama. Ama um corpo, é claro, mas, de certo modo, um corpo mais ideal do que carnal, porque ainda não tocado por nenhum dos males da carne, ainda não corrompido, ainda não conformado com a sua condição de matéria.
E posso ver, em A Morte em Veneza, a ligação a algo frequentemente referido mas, do meu ponto de vista, muito incompreendido: a homossexualidade masculina típica da Antiguidade Grega; «incompreendida» ou «reduzida» a um único aspecto: porque, ainda que, sem dúvida, um elemento sexual estivesse presente no culto Grego da relação entre um homem e um adolescente, essa relação exprimia, principalmente, o fascínio por um certo ideal do belo. Um belo que, na Grécia, só o corpo simultaneamente masculino e jovem mais esplendorosamente encarnava.
Não por acaso, Veneza, a ambígua Veneza, é o lugar onde o amor de Aschenbach tem a sua génese. Porque, em Mann, em toda a obra de Mann aliás, se assiste ao modo como, sob a construção e a exaltação do Belo, se esconde sempre o pútrido e o fétido, o perverso e monstruoso. E Veneza é a própria expressão desse engano e dessa indefinição: ou por causa de uma ameaça velada que sopra, nos ventos malignos, sobre aquela arquitectura mítica; ou da epidemia que se oculta e todos os habitantes silenciam, e da morte que faz o seu trabalho sob a graciosidade de pintura renascentista da cidade líquida. Os monstros retornam sempre, na figura grotesca de velhos que se fazem passar por jovens, ou dos mais inquietantes sinais da corrosão e da putrefacção. É uma espécie de luta oferecida, pelo autor, na delicadeza de uma escrita irrepreensivelmente clássica - e essa luta é, afinal, a luta entre o indigno e o sublime, entre o desejo e a busca do ideal, o impuro e a pureza, tentando definir-se uma fronteira do belo, sabendo que este é, em última análise, unicamente a superfície do horrendo.
Os monstros expostos por Nietzsche e Freud não estão longe desta visão de uma luta sem tréguas que só a morte, inesperadamente, soluciona.
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