quarta-feira, 7 de setembro de 2022

RUI DE AZEVEDO TEIXEIRA: O LONGO BRAÇO DO PASSADO

 Não queria parecer preconceituoso, nem politicamente 'correcto'. Mas torna-se quase inevitável. 

Quando uma pessoa passa pela guerra, como militar comum, pode tornar-se um escritor carregado de histórias, para contar, de perda e camaradagem. Um profissional do Exército, porém, um indivíduo para quem a carreira militar seja uma condição, e a guerra, em última análise, um modo de vida mais do que a experiência de uma situação-limite, dificilmente virá a ser um grande escritor sobre guerra. Eis o meu preconceito.



Por outro lado, que dizer de um romance em que, constantemente, as personagens africanas são descritas pela cor, "o preto" ou, por exemplo, "preto, pretíssimo" [já para não referir as insistentes, cruas e confrangedoras referências ao "cheiro a catinga", valha-me Deus!]? Não me surpreende que, ao que parece, deste livro tenha escrito Manuel Alegre: "uma prosa enxuta, castigada e depurada, até um rigor de extrema eficácia", mas já me surpreende que Eugénio Lisboa, o qual, como crítico literário, considero muito mais do que Alegre, dissesse: "Um estilo enérgico e eminentemente sedutor".

Algumas das características da visão do narrador seriam perdoáveis se fosse, ele próprio, simultaneamente uma personagem [em linguagem técnica, um "narrador autodiegético", portanto] cujo perfil biográfico, ideológico, ou cujos preconceitos, se quisesse que o leitor fosse apreendendo. Mas não é o caso. Este narrador, que não sabe distanciar-se do seu protagonista, comungando, com ele, a "narrativa", passa, no entanto, por um olhar exterior, pela própria voz pura do romance. Não é exactamente o pequeno Marcel.

Rui de Azevedo Teixeira é um homem marcado pela guerra: toda a sua obra, na qual, se bem percebi, existia já um romance, consiste maioritariamente em ensaios e dissertações girando em torno do tema: A Guerra Colonial e o Romance PortuguêsA Guerra de Angola: 1961-1974, ou a biografia de Jaime Neves. Ora como lida com o género romanesco? Mal, diria eu. Há um entrar e sair de nomes de personagens que não se demoram, um excesso de frases entre aspas, incorporadas na narração [não constituindo, assim, a fala directa de uma personagem, num diálogo, por exemplo], como se se tratasse de citar - mas seguidas, ou não, de um "como dizia fulano", ou "como lhe chamava cicrano". Não vislumbro o que há de eminentemente sedutor neste estilo, e pergunto-me se as citações têm que ver com o "rigor" a que alude Manuel Alegre.

A passagem em que descreve, com uma naturalidade "enxuta", a tortura de um capitão Netista e o seu enterramento, "quase vivo", como acto justo de vingança, de que participa o protagonista, permanecerá, porventura, o ponto alto do mau-gosto. Perdão, de uma "prosa castigada e depurada, até um rigor de extrema eficácia."

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