quinta-feira, 1 de abril de 2021

PATRICIA HIGHSMITH: SUSPENSE OU A ARTE DA FICÇÃO


 

Sim, num primeiro momento, os leitores habituados a livros acerca de escrita de ficção, aquilo para que se inventou a horrorosa expressão 'escrita criativa', da autoria de escritores portugueses, como Mário de Carvalho - cultos, cheios de piscadelas de olho literárias, intelectualmente sofisticados, reflexivos - sentem-se decepcionados. Repentinamente, e por comparação, descubro que os escritores portugueses são muito bons no ensino do seu ofício.

Patricia Highsmith não revela tal competência, ou tal ambição. Para já, como o título indica, não tem quaisquer preocupações em relação à literatura em geral, mas à criação do 'suspense'. Por outro lado, este seu livro é demasiado pessoal, e mesmo quando refere outros romances de outros autores, mantém como coluna vertebral a própria obra. É que Mário de Carvalho, pelo contrário, verdadeiramente não quer ensinar o que não é ensinável. Parte do seu empreendimento seria, portanto, irónica.  Mas não só. Porque, se não se trata de ensinar a escrever ficção, trata-se de fazer uma viagem pela melhor ficção portuguesa, apontando as perguntas que se não deve perder de vista e as soluções, frequentemente contraditórias entre si, que permitem outras tantas possibilidades. Highsmith escreve com um pressuposto diferente. No caso, o 'suspense' é uma arte; essa arte vive de uma técnica e, quanto mais não seja, qualquer técnica pode ser ensinada. Procura, portanto, mostrar o que aprendeu. Com a prática, principalmente, com as circunstâncias e com os erros. Admitindo o pressuposto e evitando mais comparações, o seu livro tem alguma coisa para oferecer.

Para 


quem lhe conheça a obra, torna-se interessante perceber a ideia de que cada um dos seus romances parte (a "semente"), em que medida uma semente contém uma estrutura e como pode esta desenvolver-se numa trama. O que são falsas partidas, o que é o ritmo, ou um início que impede o leitor de virar imediatamente as costas ao livro. Conselhos simples (demasiado simples, às vezes) desprendem-se, pois, de uma prática que nos nos deu alguns dos melhores romances de 'suspense' - e quem conhece Mr. Ripley sabe que não exagero. E contudo, como lembrava um amigo meu, para quem, precisamente, nos deu, entre outros romances, a genial série de Mr. Ripley, este é o "escrito " mais fraco de Patricia Highsmith.

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