segunda-feira, 29 de novembro de 2010

O QUE AMO EM E. DICKINSON

Convencionou-se que dispensar maiúsculas é rebelde e irreverente; não conheço nada mais «à moda», mais fácil, mais banal. Parece-me particularmente revolucionário, pelo contrário, o emprego de maiúsculas por Emily Dickinson, que carrega de palavras importantes e significativas os versos, a cada passo, obrigando a que nos detenhamos na aura aristocrática que a maiúscula confere.

Toca-me a necessidade que tem de quebrar as frases com os seus travessões, aqueles traços que interrompem blocos de sentido, para que não atravessemos demasiado precipitadamente para o bloco seguinte.

Toca-me que se pressinta uma visão de perfeita intensidade sob cada um dos poemas que escreveu: a compreensão funda de uma ideia que habita outro mundo, não o mundo das palavras mas o de certos imensos e esplendorosos silêncios, embora nas palavras tenha Emily de se exprimir e comunicar.

Toca-me a ausência de um sistema: cada poema é único e só. Nasce, clareia e dissolve-se. E assim deve ser, para que haja espaço para um outro poema - novo e solitário momento único, que não subsiste para além de si nem se relaciona com nada para lá de si.

Toca-me que um poema seu seja tão difícil quando a ele chegamos e iniciamos a leitura - e tão simples e intuitivo quando o lemos e dele partimos, plenos daquilo em que ele nos transformou.

E gosto da confusão: da ideia de que tudo sobrou em cadernos que ela foi preenchendo com muitas centenas de poemas, os quais não podemos catalogar nem organizar segundo critério nenhum, uma vez que o caos reina nesses cadernos e nem uma elementar sucessão temporal se deixa aí determinar.

1 comentário:

Mariana disse...

Olá, José Pacheco, é curioso como blogues se encontram como ilhas que lançam barcos, barcos que chegam a outras ilhas. A Emily Dickinson é minha poesia mais fiel no momento, e aqui no Brasil contamos com traduções boas, bilíngues. Tenho dois livros dela, de dois tradutores diferentes. Todos os pontos que você levanta da poesia da Emily são bastante interessantes. Mas um me deteve a atenção:

"Toca-me que um poema seu seja tão difícil quando a ele chegamos e iniciamos a leitura - e tão simples e intuitivo quando o lemos e dele partimos, plenos daquilo em que ele nos transformou." Há um poema dela perfeito nesse sentido, que cito de memória: "A natureza é o que sabemos / mas arte não diria / tão cega é para o que simples / nossa sabedoria."

Obrigada pelos elogios ao "mar à vista da ilha", que retribuo ao seu espaço. Refinamento, erudição, literatura.