segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

ANTONIO TABUCCHI: O JOGO DO REVERSO




Ponhamos de parte a infindável quantidade de livros que recebi pelo Natal, a que me dedicarei mais vagarosamente e de que aqui irei dando conta, para nos fixarmos num discreto O Jogo do Reverso, emprestado pela Biblioteca vizinha.

Antonio Tabucchi importa-me por variadíssimas razões: em primeiro lugar porque este escritor italiano, porventura através da sua paixão por Fernando pessoa & heterónimos, se tornou um estudioso atento e subtil da poesia portuguesa, um cultor fascinado e fascinante da própria língua portuguesa e, já agora, alguém que penetrou delicada e deliciadamente no espírito português, feito da saudade, é claro, (que «não é uma palavra, é uma categoria do espírito, só os portugueses conseguem senti-la, porque têm esta palavra para dizer que a têm»), mas também de atmosferas, como a proporcionada por um dédalo lisboeta de ruas antigas, com nomes maravilhosos, por exemplo a dos "douradores" ou a dos "correeiros"; pensões, tasquinhas e uma culinária de comidas muitas vezes «delicadas» mas «de aspecto repelente», culinária essa cuja história os próprios portugueses em geral desconhecem (sabia lá eu, por exemplo, que o arroz de cabidela fosse um prato herdado dos judeus sefarditas, que não torciam o pescoço à galinha, antes o cortavam, aproveitando-lhe o sangue...); e, em suma, de grandezas e mesquinhices confusa e surpreendentemente entrelaçadas...

O Jogo do Reverso, um pequeno livro de contos, é invulgar por tudo isto: ser da autoria de um italiano com
uma compreensão de quem somos e do que somos que nos redime e nos faz sentir tristes e orgulhosos por sermos quem somos e o que somos; uma escrita de extrema elegância, subtil no molho, com prazeres quase secretos, que só numa segunda ou terceira provas se deixam gozar; e, mais do que isto, uma boa ideia, tecnicamente muito bem realizada: a de histórias em que o que interessa é o reverso, o que mal se expõe, mas a partir de onde se encontra o verdadeiro centro de leitura - como na pintura Las Meninas, de Velásquez, em que o que interessa não é o que nós vemos, mas sim a perspectiva do pintor, perspectiva de que não temos senão indícios, literalmente: reflexos.


No caso concreto deste livro, ou desta edição da Quetzal, não é um pormenor despiciendo o prefácio, da autoria de José Cardoso Pires, um Cardoso Pires completamente entregue à sua qualidade de leitor de Tabucchi, a sua escrita, a sua busca de um reverso, como no jogo que, de certa forma, afiança-nos, todo o romance é.

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