Muitas vezes, poemas que chegam aos meus olhos já com uma História e uma tradição que os consagraram como sendo obras maiores parecem-me, contudo, opacos: leio-os, e não entro em êxtase; não só não se dá uma revelação, como nem sequer aquilo que, segundo Borges, é a condição de toda a grandeza artística, «uma iminência de revelação que não acontece». A vizinhança de uma epifania. Mas nem isso. Permanecem conjuntos de versos que me soam como insignificantes, que me não despertam, que não encontram caminho directo algum para a alma.
Descontemos a possibilidade de que eu possa não considerar nada de extraordinário o que encantou os outros homens, em alguns casos desde há séculos. Porque isso poderia ser uma explicação num caso ou noutro, mas, comungando todos nós da mesma humanidade, de uma cultura que nos aproxima, de referências comuns, não creio que seja a norma.
E, portanto, o que faço é procurar continuamente as chaves para essa descoberta da revelação ou da «iminência de uma revelação que não chega a acontecer».
Aceito, portanto, que, pelo menos para mim, a revelação poética não seja directa nem imediata. Falta-me, quem sabe, esse tipo de «ouvido musical» para a poesia. O poema principia por se me apresentar como uma porta fechada. Por alguma razão, o sentido sob o sentido, a luz brilhante sob as palavras, a música e a «visão» precisam de ser escavadas - inicialmente, estão-me ocultas.
O meu método consiste no cumprimento de alguns pontos simples.
1. Leio o poema em voz alta. Borges - uma vez mais - já tinha afirmado que um poema que não exige ser pronunciado, que não pede para ser "dito", não é, talvez, um poema que valha a pena. A génese de toda a poesia é a música. Não posso limitar-me a ouvi-lo na minha cabeça, ou num percurso quase imediato dos olhos para o espírito, preciso da mediação da voz. Tenho de estar só e sentir-me à vontade para me ouvir a lê-lo.
2. Não o posso ler uma única vez. Tenho de repetir, detendo-me em particular nas passagens que me chamaram a atenção, que me obrigam a voltar atrás. É uma busca de chave. Essa chave é, por vezes, um verso, um brilho mais intenso que me escapara antes; um fulgor em que tropeço inadvertidamente até que, de súbito, se encha de sentido. Mas, captada essa minúscula luz, captei um ponto de apoio, um ponto de sentido a partir do qual todo o poema se ilumina. E quantos mais pontos de sentido se me descascam, mais claro o todo se me vai tornando.
3. Não sempre, mas, em muitos casos, o conhecimento (a estrita informação) ajuda - não porque a poesia seja prioritariamente da ordem do intelecto (o que implicaria, sem dúvida, aquela dissecação que arruina a apreensão da essência); mas porque, por exemplo no caso de A Terra Devastada (T. S. Eliot), não me foi indiferente compreender que raízes, que referências contém, a que remissões convida, a que ligações obriga, que mundos associa a si, na procura de uma unidade maravilhosa do fragmentário.
4. Quando nada disto me permite entrar, prefiro não insistir. Regressarei ao poema pouco mais tarde, ou muito mais tarde, quando o interesse me tornar a chamar. E sucedeu-me observar que o que não me falou numa certa fase da minha vida, se tornaria, anos depois, um dos poemas da minha vida. Assim, por exemplo, com a Divina Comédia. Assim, mais recentemente, com a redescoberta de Terra Devastada.
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