quinta-feira, 10 de setembro de 2009

AINDA CÉLINE: UM EXCERTO

«Sob aquele olhar de opróbio, o mensageiro claudicante pôs-se em sentido com os mindinhos na costura das calças, como deve ser feito nestes casos. Oscilava assim, hirto em cima do talude, com a transpiração a correr-lhe ao longo da jugular e os maxilares a tremerem tanto que emitia pequenos gritos sufocados, como um cãozinho que sonha. Não era possível descobrir se queria falar-nos ou se realmente chorava.
«Os nossos alemães, acocorados mesmo no fim da estrada, acabavam de mudar de instrumento. Era à metralhadora que prosseguiam com aquelas tolices; faziam-nas estalar como grandes caixas de fósforos, e à nossa volta vinham voar enxames de balas raivosas, irascíveis como vespas.
«Ainda assim, o homem acabou por fazer sair da boca qualquer coisa articulada:
«- O sargento-ajudante Barousse acaba de ser morto, meu coronel - disse de uma assentada.
«- E então?
«- Foi morto quando ia procurar o pão na estrada Des Etrapes, meu coronel!
«- E então?
«- Foi despedaçado por uma granada!
«- E então, com mil raios!
«- Só isso! Meu coronel...
«- É tudo?
«- Sim, é tudo, meu coronel.
« - E o pão? - perguntou o coronel.
«Foi este o fim do diálogo porque me recordo bem de ele ter tido tempo de dizer exactamente isto: «E o pão?» E pronto. Depois só fogo e também ruído a acompanhar. Mas um destes ruídos como nem se acreditava que existissem. Que nos encheu por completo os olhos, os ouvidos, o nariz e a boca, imediatamente, ruído ao ponto de eu julgar que estava tudo acabado, que eu próprio me tinha transformado em fogo e ruído.»

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