«Crescer é tornar-se infiel.»
Gilbert Cesbron, É Mozart que Assassinam
Tenho andado em maré de recordações literárias. Os livros que trouxe das estantes de meu irmão, ou os que lia em adolescente, por exemplo Enid Blyton e Júlio Verne, ou os que me marcaram como um ritual de
iniciação ao tempo de leitor adulto. Curiosamente, no meio desse
processo, houve uma bizarra, nebulosa e inexplicável paixão que me
guiou, sei lá! diria que pelos 15 ou 16 anos. De onde me saiu a primeira
obra de Gilbert Cesbron, sou incapaz de precisar: alguém a emprestara a
minha mãe? A meu irmão? E qual era? Os Santos Vão para o Inferno, sobre a infernal vida dos padres-operário?
Ou aquele, cujo título não recordo, acerca de uma elegante jovem de
facies horroroso? Outra pergunta: porque me terá fascinado a tal ponto
essa série de romances da autoria de um escritor católico francês? Nunca mais voltei a pensar nele. Alguma associação, há pouco, mo devolveu subitamente à memória.
Desse contacto incompreensível, retenho, agora, quatro coisas: o prazer dessa leitura; um episódio particular de um dos seus romances: um jovem que se preparou diligentemente para copiar num exame, ordenando, diante do espelho, as cábulas em diversos departamentos de um casaco "especial" - fintado pelo pormenor de as estar a colocar perante um espelho, que inverteria a direita e a esquerda, confundindo-o completamente no momento-chave (o momento do exame, claro); outro episódio, que já aliás mencionei: uma rapariga muitíssimo feia, procurada por uma colega que, ao dar-se com ela, realça a própria quase-beleza; e, last but not least, uma particularíssima utilização dos parênteses, a que me rendi de todo, maravilhado pelos efeitos, e que não tenho dúvida de que ainda hoje imito, embora nunca mais me tivesse lembrado da génese de tal influência. Gilbert Cesbron foi ultrapassado pelo tempo, por novos interesses, descobertas e fascínios maiores. Tornei-me ingrato e infiel ao que me concedeu. Mas, como afirma o próprio: que mais significa crescer senão isso?
Desse contacto incompreensível, retenho, agora, quatro coisas: o prazer dessa leitura; um episódio particular de um dos seus romances: um jovem que se preparou diligentemente para copiar num exame, ordenando, diante do espelho, as cábulas em diversos departamentos de um casaco "especial" - fintado pelo pormenor de as estar a colocar perante um espelho, que inverteria a direita e a esquerda, confundindo-o completamente no momento-chave (o momento do exame, claro); outro episódio, que já aliás mencionei: uma rapariga muitíssimo feia, procurada por uma colega que, ao dar-se com ela, realça a própria quase-beleza; e, last but not least, uma particularíssima utilização dos parênteses, a que me rendi de todo, maravilhado pelos efeitos, e que não tenho dúvida de que ainda hoje imito, embora nunca mais me tivesse lembrado da génese de tal influência. Gilbert Cesbron foi ultrapassado pelo tempo, por novos interesses, descobertas e fascínios maiores. Tornei-me ingrato e infiel ao que me concedeu. Mas, como afirma o próprio: que mais significa crescer senão isso?
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