sexta-feira, 28 de agosto de 2015
JOSÉ CARDOSO PIRES: ALEXANDRA ALPHA
Como já me sucedeu a propósito de outras obras, li, quando jovem, Alexandra Alpha e guardei dele, por muito tempo, a memória de um romance pesado e desinteressante. Agora que sofro de uma febre de re-leituras de J.C.P., extasiado com o autor de quem afinal passara ao lado, mantinha como última resistência este Alexandra Alpha. E lembro-me bem de, há uns meses, concordar com o meu amigo Marrão neste diagnóstico: «O Cardoso Pires é um autor soberbo. O pior dele é "Alexandra Alpha".»
Que engano! Que precipitação e que falta de perspicácia. Alexandra Alpha revelou-me um inesperado Cardoso Pires, armado de uma impiedosa e corrosiva ironia em relação a um universo intelectual, académico. Mas é impressionante o seu conhecimento das referências de que troça: os universitários imbuídos de cultura francesa (anos 60/70), que citam os estruturalismos na filosofia, na literatura, no cinema, nos programas culturais-chic da televisão [seria certamente o canal 2 de então], as palestras, os seminários, a linguística de Kristeva, a psicanálise lacanaiana, de uma ou de outra forma todos estes itens são coleccionados com um prazer e uma perícia de frequentador do meio. Como num roman à clef, todos aqueles personagens, debates, formulações, teorias, remetem para rostos concretos com os quais não suspeitaríamos que José Cardoso Pires, o contador tradicional de histórias - a que chama "fábulas" - convivesse com tamanho à-vontade.
É neste universo cifrado que cresce o menino órfão, adoptado por Alexandra, entre as amigas desta, os companheiros de debate, num mundo em transição, em que floresce uma Lisboa secreta, paradoxal, vetusta mas carregando no ventre insuspeitados gases [a metáfora grosseira é deliberada] de revolta e mudança.
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