sexta-feira, 16 de maio de 2014
MINETTE WALTERS: A MÁSCARA DE DESONRA
Reparo uma injustiça em relação a Minette Walters. Nunca tendo aqui escrito sobre ela, é contudo uma das responsáveis pelo nascimento deste blogue. Lembro-me de que principiou tudo com uma entrevista que ouvi, na rádio, a uma senhora - quem seria? - que falava de dois autores; pelos vistos, falou com paixão. Não sosseguei enquanto não os descobri. Acabei por escrever sobre um deles. O outro, injustamente, suponho que não haja sequer sido mencionado. Era Mrs. Walters.
Segundo parágrafo introdutório: a fábrica de alternativas, autêntico encontro de boas-vontades, reúne, aos sábados, em um parque de Algés. Arrastado para o desconhecido, deparo, junto a uma árvore, com uma biblioteca peculiar: livros espalhados pelo chão, sob um cartaz que informa: «Leve um livro, e em troca deixe outro. Se não tem para deixar, não faz mal, traga para a semana.» Irresistível convite. Olhei, folheei, ponderei. E vim de Minette Walters debaixo do braço.
A Máscara de Desonra é um romance sobre personalidades. Não por acaso uma das personagens é um pintor que se dedica a captar a personalidade dos que retrata: na cor sobretudo, mais do que na fidelidade ao real percepcionado, Jack penetra almas, abarca-as nas suas emoções mais íntimas, na sua essência confidencial. Psicologicamente, a obra desafia-nos. Minette Walters usa sabiamente os preconceitos, as interpretações que as personagens fazem acerca da maneira de ser das outras; e como o olhar de cada um sobre o seu próximo é sempre tendencioso - até os retratos pintados por Jack podem ser lidos erroneamente - o leitor equivoca-se tanto como aqueles sobre quem lê. Ora se é relativamente simples começarmos a antipatizar com algumas [não digo: a suspeitar delas; isso poderá suceder ou não. Digo simplesmente: antipatizar; irritar-se com. Na verdade, a própria vítima é, em muitos aspectos, uma mulher detestável], se é, portanto, muito simples não gostarmos de alguém, e se nos leva muitas páginas de tempo aceitarmos que nos enganámos porque tal pessoa não seria bem o que nos parecia, imaginem a dor com que, tendo-a redescoberto a uma nova luz, principiando talvez a amá-la, seguros dos nossos sentimentos, somos repentinamente confrontados com a suspeita.
Sendo que também aí a perícia de Minette Walters se revela vertiginosa. Porque o que julgamos ver pode não ser o que estamos vendo: os gestos enganam, e observado de longe, ou pelos olhos de outrem, querer salvar alguém pode confundir-se com estar a matá-lo. [O exemplo que dei é deliberadamente distorcido. Não sou um spoiler.] Como no melhor de Agatha Christie. Precisamente.
Este é o meu convite para descobrirem Minette Walters. E tem de ser assim: sem fotografias da autora, ou da capa do livro. Sem desenhos nem demasiada explicação. Num policial maduro, há que descobrir.
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